29 de abr. de 2009 | By: @igorpensar

Por uma Espiritualidade na Cidade

Por Igor Miguel

* Leia este texto ao som da música Sometimes you can't make it on your own - U2

Quem inventou a cidade? Ninrode quando fundou Babel? Os egípcios quando construíram um complexo cultural às margens do Nilo? Os gregos quando inventaram as pólis gregas? A elite comercial que no final da idade média organizam os burgos ou os americanos quando inventaram Nova Iorque? Ao invés de responsabilizar alguém pela invenção da cidade, talvez seria mais interessante encará-la em um primeiro momento como algo que está aí, que foi universalizado, por isso está sujeita à crítica e mais do que isso, ela desafia sujeitos que procuram uma espiritualidade para além dos limites do concreto, do asfalto e do aglomerado de pessoas evidentes nos grandes centros.

A cidade foi inventada como centro de disseminação e distribuição dos bens da civilização. Que bens a cidade distribui? Ela distribui bens de consumo, bens culturais, bens religiosos e entretenimento. Porém, o que é civilização? Sigmund Freud em Mal Estar da Civilização dizia que "Civilização é a distância do homem de seu estado de natureza". Mas, por que o homem quer fugir deste estado? O que há de complicado no estado de natureza?

Por que foges homem? O que te espanta nas matas densas? O que te oprime nas cores da criação? Por que te escondes entre as folhas de figueira? Por que escapas da voz do teu Criador?

Ora, o que é a civilização se não um abrigo (ethos) artificialmente elaborado, um mundo paralelo, uma grande matrix tecnologicamente elaborada? A civilização é um mundo conveniente onde o anonimato e a artificialidade criaram uma falsa realidade. Um mundo entorpecente que impede o homem de ouvir a voz que lhe exige explicações.

O que é a cidade se não um grande câncer que devora o mundo (como na foto ao lado mostra os EUA à noite, os grandes centros são os mais iluminados), a força "civilizadora" se apropria do mundo criado sem qualquer pudor. Vai expandindo seus tentáculos babilônicos arrancando esperanças e neutralizando a sensibilidade. Neste aspecto, a cidade é uma grande meretriz!

Qual espiritualidade tem-se ante os tijolos da grande torre? Como permanecer sensível ante os grandes muros, as luzes de neon e as vitrines dos shopping centers? Como ser ouvido ou como ser gente quando gente é o que não falta?

Há como trazer shalom (paz) de volta, orando o trecho do "Pai Nosso": '... venha a nós o teu reino...'. Trazer a realidade, quebrar os pés de barro da civilização em um único golpe. Criar pequenos centros conspiratórios de paz, jardins de espiritualidade, implantá-las no meio das cidades. Imprimir nas paredes, escrever nos muros e contagiá-lo.

Para isso é necessário que oráculos se levantem, profetas quebradores de ídolos (iconoclástas) e propaladores do amor. Sujeitos subversivos que apontem o caminho de volta para a Cidade de Deus. Espiritualidade na pólis só é possível de forma ativa, os passivos serão engolidos, mas ação justa organizará a realidade, humanizará as relações. Trazer o reino é assumir pequenos gestos como colocar uma flor na mesa, sentir a beleza, cultivar jardins nos quintais, andar de bicicleta, ler bons livros, cantar boas músicas, comer uma boa refeição, tomar um bom café, amar sua esposa, dizer bom dia, olhar nos olhos, respeitar a faixa de pedestres e estender a mão ao pobre.

Pequenos gestos, pequenas ações que só os livres podem desfrutar. Liberdade que não é realizada pelos feitos, mas por um grande feito, gracioso e misterioso que a civilização não consegue perceber.

"A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada"(Apocalipse 21:23).