26 de jan. de 2010 | By: @igorpensar

Quando será a minha altiVEZ?

Por Igor Miguel

Já fiz algumas críticas por aqui ao individualismo moderno. Procurei demonstrar que a proposta de Adam Smith, de transformar o auto-interesse e a competitividade a força motriz do desenvolvimento humano, resultou em uma supervalorização do indivíduo.

Neste sentido, penso que a cosmovisão bíblica é novamente elucidativa. A teologia monoteísta não é individualista e nem coletivista, ela é comunitária. O comunitarismo, pressupõe que indivíduos são respeitados em sua identidade e integridade pessoal, sem que esta "individualidade", o desconecte da consciência e do senso de pertencimento a uma comunidade. O individualismo moderno propõe um retorno do sujeito para dentro de si. O direito não é voltado para o outro, mas para o direito do indivíduo. O outro não é o outro-ser, é o outro-individualmente, como mônada, e não como um ser conectado em uma rede de interdependência e parceria.

O que se vive em um mundo individualista é uma guerra de semi-deuses, uma guerra agonística entre indivíduos que se afirmam poderosos. O agonismo pode ser definido como:
... todo corpo específico aspira a tornar-se totalmente senhor do espaço e a estender sua força (sua vontade de poder), a repelir tudo o que resiste a sua expansão. Mas incessantemente choca-se com as aspirações semelhantes de outros corpos e termina por arranjar-se (“combinar-se”) com os que lhe são suficientemente homogêneos: então conspiram juntamente para conquista a potência. (Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe - Obras reunidas. Edição crítica (1980) - XIII,14[186]).
Agonismo é a guerra pelo poder e a modernidade fundamenta-se basicamente por esta lógica. Quando olhamos ao nosso redor ou vemos televisão, ouvimos frases ou expressões como: "competitividade", "você consegue", "você é o melhor", "faça o melhor", "tenha sucesso" e outros. Os produtos por trás desta propaganda, tornam-se objetos de desejo, pois estão ligados a uma filosofia do "poder".

Tudo na sociedade moderna depende de "corpos" que se afirmam ou procuram se afirmar sobre os outros. Lembro-me do jogo que brincava quando era criança, chamado "Quem é o chefe?", em que um grupo de crianças disputavam o topo de um monte de areia lavada. O objetivo era permanecer no pico do monte o maior tempo possível, enquanto os outros tentavam derrubá-lo de lá. Interessante, que os que estavam embaixo se articulavam para derrubar o chefe, e quando o faziam, brigavam entre si, para ver quem ficaria no pico do monte de areia. Isto ilustra a ideia de agonismo, de guerra de deuses, do neopaganismo que estamos inseridos.

A lógica é simples. Somos individualistas, doentes em nos tornarmos chefes de determinada esfera de poder. Para nos mantermos ou alcançarmos esta condição de "poder", fazemos alianças, firmamos parcerias, para alcançarmos o status desejado. As pessoas, com quem nos aliançamos são "objetos", "seres instrumentos", que só nos servem até o momento que prestam um serviço aos nossos interesses. Depois, que a posição ou determinado fim é alcançado, rapidamente esta pessoa torna-se descartável. Neste ínterim, há elogios, sorrisos, abraços, homenagens, tudo com um fim, tornar aquela pessoa "meio". Falsas demonstrações de apreço é o cúmulo da instrumentalização da afetividade. Cruel não?

Agonismo é neopaganismo, é trazer o mito da guerra dos deuses à vida humana. É a institucionalização do Olimpo. A lógica de que a briga dos deuses afeta a vida humana. Quem são os deuses ou os pretensos deuses? Nós todos que amamos a competitividade e a altivez.

Qual seria a resposta cristã a um mundo "olímpico"?

A percepção judaico-cristã não é contra o poder. O poder serve para prestar um serviço ao gênero humano. Porém, este poder é legislado por um princípio ético, de que os mais "agraciados" (aqui está a ideia reformada de graça comum) tornam-se instrumentos de justiça para os menos agraciados. O rico neste sentido, tem uma responsabilidade moral com o mais pobre. Os poderosos têm uma responsabilidade ética com os menos poderosos. O poder, neste sentido, não volta para o poderoso, nos termos de Ben Parker (tio de Petter Parker - homem aranha), "grandes poderes exigem grandes responsabilidades". Neste ponto entra a resposta judaico-cristã ao agonismo moderno: A MODÉSTIA.

Modéstia é uma virtude, uma resposta ética, que afirma um gestor soberano do poder: Deus. Deus é o Senhor que distribui autoridade na criação, Ele o faz, para que este "poder" (graça) se distribua de forma a dignificar a criação. Mas, o desejo primevo humano de ser como Deus, quebra a lógica de justiça, de que o poder não flui de homens autônomos, mas de um Deus soberano.

Por isso, o livro da Torá (Deuteronômio 17) quando legisla a realeza, afirma que o rei de Israel, deveria fazer uma cópia de próprio punho da lei, para deixar claro que a soberania do Rei é relativa à soberania de Deus. Todos nós prestaremos contas a Deus do uso que fizemos do poder que nos foi outorgado.

A melhor resposta à lógica de poder é a kenósis, sim, o esvaziamento, o exemplo de Jesus. Que possamos seguir o conselho de Paulo:

"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou [kenósis], assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." (Carta de Paulo aos Filipenses 2:5-8)

O homem deseja um poder que não lhe é de direito, enquanto Jesus, renunciou um poder que lhe era por natureza. Que exemplo Jesus nos deixa?

7 comentários:

Victor Bimbato disse...

Acredito que tudo se resume ao amor ao próximo. Como a própria Bíblia diz "Amai a Deus acima de todas as coisas e o teu próximo como a ti mesmo. Não há mandamento maior que estes." Sem contar que não podemos amar a Deus sem amar ao próximo. "Quem diz que ama a Deus e não ama ao seu irmão é mentiroso" Ou seja, os dois maiores mandamentos da Bíblia se tornam um. Será que é coincidência o pós-modernismo pregar o egocentrismo e o hedonismo? Acho que não. Triste pensar que a igreja tem comprado essa ideia.

Ana Cláudia Monteiro disse...

Mestre... a nossa educação ocidental, mesmo dentro das comunidades cristãs, não cosidera D'us como O Criador e absoluto Senhor da Vida. A teologia neo-pentencostal nos imprime certas condições, tantas promessas que "adquirimos" ou possuímos como "peculiares", muitas vezes destacadas da matriz, chega-se a determinar que A PALAVRA (geralmente a que eu quero que se cumpra) seja escolhida e "profetizada" em nossa vida até que aconteça o que EU QUERO com respaldo em "promessas bíblicas". EIS UM GRANDE PERIGO!!! A concepção de David, o homem segundo o coração de D'us, é exatamente oposta a esta idéia, na simplicidade do Salmo 139, destaco v.16 "Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia...", ou seja, antes que a minha existência seja percebida neste mundo, o PROPÓSITO para ela já foi divinamente estabelecida. Essa é a Total diferença, pois essa é A PALAVRA QUE SAI DA BOCA DE D'US para a nossa vida, e que faz parte de um TODO, que, sem dúvida é maior que a soma das partes... Então, viver só faz sentido quando busco do Criador o meu papel, o meu locus neste mundo... isso é o que me preenche. A paz que o mundo tanto almeja não será alcançada sem a consciência de que as coisas estão no prumo de D'us... tirando isso é a guerra constante entre a busca do prazer e a fuga do desprazer. Hoje não se pensa em que tudo coopera para o BEM DOS QUE AMAM a D'us... não só o meu bem estar momentâneo, mas às vezes o que é bom necessariamente agora pra mim, não harmoniza com a maior parte das pessoas, por isso é preciso aprender a "esvaziar-me de mim mesma" não das coisas ilícitas, essas nem devem fazer parte da vida do crente, mas das coisas lícitas, muitas vezes, para que o bem comum seja estabelecido. Por isso vêm as tribulações, para nos aperfeiçoar em paciência e em esperança... daí o nosso objetivo será muito além do que "alcançarmos o podium" uno, mas alcançarmos um mundo melhor: a paz, a justiça, a equidade, enfim, o Reino de D'us.

No Messias,
Cláudia

Paulo Dib disse...

Igor, concordo com vc sem tirar ou acrescentar algo. Mas o que me deixa triste é que a realidade do individualismo e de alianças para alcançar ao poder não se restringe ao mundo que jaz no malígno. Essas práticas são encontradas inseridas na Igreja, muitas vezes, de forma extremamente aparente.

Hoje em dia, a grande parcela da Igreja vai atrás apenas da benção e se esquece do Abençoador, expressando um relacionamento puramente interesseiro (Dá-me algo e em troca eu te adoro). É Lastimável.

Mais triste ainda é ver alguns usando os outros como "seres instrumento", como vc bem disse. Tudo isso para alcançar liderança, ou algum outro êxito ministerial, ou pura e simplesmente pelo status que o poder proporciona.

Que a nossa oração diária seja pela kenósis de nossa humanidade e egoísmo inerentes, e para que sejamos cheios da presença do Espírito Santo.

Fernanda Lima disse...

Shalom, Igor!
Entrei aqui por um "acaso" (se é que isso existe! Creio em propósito!) e ao ler este seu texto, me senti parte de algo grande que o Eterno tem arquitetado como soberano que é. Eu venho pensando sobre isso há muitoooo tempo, mas não sabia como falar, não tinha bases sobre as quais poderia me apoiar teoricamente para defender tal idéia. Fora que, me sentia sozinha remando contra a maré! Acho que muitas pessoas, em diversas partes do globo, tem sido levadas por D-us a tais questionamentos. Penso que quanto mais textos como estes estiverem dispostos na net, melhor para o Reino. Por isso, venho aqui pedir: Posso postar este texto (citando a fonte, é claro!) no meu blog? Ou mesmo colocar um link no meu blog que remeta à sua postagem? Agurado resposta!
Obrigada por me abençoar com esta palavra e com este sentimento de pertencimento(pertencer a um povo, uma comunidade que pensa semelhantemente)!

@igorpensar disse...

Ufa! Cheguei de uma jornada de ensino no interior de minas. Estava sem net por lá. Agora, finalmente vou respondê-los.

Victor,

Penso isso também, que o amor é o agente mais poderoso para derrubar as pretensões humanas. Amar o próximo, significa também dignificá-lo.

Ana Cláudia,

Obrigado pela releitura do texto. Quanto a abrir mão, tenho pensado sobre isso, teremos um post em breve sobre a necessidade de uma rede de interdependência vocacional. Uma rede de carismas, de dons.

Primo Dib,

Mano, me preocupo muito quando vejo em alguns segmentos da Igreja Evangélica, sem generalizações, a lógica de poder. Me cansa, a falta de "kenósis" de alguns líderes, demonstra a imediata desqualificação destes homens para serem simples discípulos de Jesus, o que dirá "sacerdotes". Obrigado por seu comentário!

Fernanda,

Que bom que vc gostou do texto. Sim, claro, coloque o texto lá sim, não esqueça de colocar o endereço do blog: www.teologo.org

Abraços a todos,
Igor

Ana Laura disse...

Oi Igor!
Acredfito que em grande parte, nossas ansiedades são fruto da frustração que o "pouco" poder ou ausência dele, na concepção laica do mesmo,nos causa.
Quando permitimos que o SENHOR nos trate para nos alinhar à sua vontade, sentimos uma dor terrível devido ao tamanho apego que temos ao "poder" ou à idéia de conforto que ele nos proporciona.
Enquanto estamos apegados à essa idéia, não conseguimos nos "soltar" para experimentar as delícias que só a depedência do SENHOR nos oferece.
Esse sim é verdadeiro "poder", viver dependendo do SENHOR em tudo!
Um dia será que chego lá?
Esse seu texto foi muito inspirado.

abçs,

AL

@igorpensar disse...

Ana Laura,

Dependência, legal ouvir isso de uma pessoa no século XXI. Em um mundo em que tudo é "autonomia", "independência", as pessoas acabam com toda liberdade tornando-se escravas, dependentes de ídolos modernos. A verdadeira liberdade está na teonomia, na abertura radical dos corações à vontade Deus. Que é boa, perfeita e agradável.