17 de jul. de 2008 | By: @igorpensar

O que a mediação não é.

Por Igor Miguel

Comumente ouve-se o uso dos termos "mediador" ou "mediação" em educação. E esse uso "popular" pode infelizmente banalizar o profundo significado de tais expressões.

Comumente professores e educadores usam o verbo "mediar" como uma palavra diferente para ofuscar o que no fundo não passa de mera transmissão de conteúdos escolares. Muitas vezes esses conteúdos são transmitidos sem a mínima problematização, sem significado para o aluno, e ainda assim, chama-se isso de "mediação".

Antes de dizer o que é mediação, é importante dizer o que a mediação não é.

1) Mediação não depende de conteúdos curriculares formais para acontecer.
2) Mediação não é instrução.
3) Mediação não é formação.
4) Mediação não é mera problematização de algum conteúdo.
5) Mediação não implica em uma posição do docente como "animador" ou "estimulador".
6) Mediação não é qualquer tipo de interação entre professor e aluno.

Trataremos cada um deles, justificando a negativa:

1) Mediação não depende de conteúdos curriculares formais para acontecer.

A mediação é acima de tudo cultural, pois opera-se na malha simbólica no ato de decodificar o mundo, seus símbolos, suas impressões. Mediação ensina o mediado a pensar o mundo a partir de um repertório de valores específicos. Existem ferramentas psicológicas específicas para tratar os dados coletados a partir de realidades e situações específicas. A mediação está profundamente ligada à educação cognitiva, que não é necessariamente dependente da educação formal. Vygotsky já havia demonstrado que a instrução nem sempre acompanha o desenvolvimento cognitivo do aluno. Em outras palavras, um currículo que não é orientado tendo em vista o desenvolvimento cognitivo do aluno é desprovido de valor mediador. O que não significa que um professor não se aproprie de "propriedades" inerentes ao conteúdo formal (por exemplo propriedades matemáticas, biológicas, quimícas, etc) e a partir delas estimular seus alunos cognitivamente, ensinando-os a pensar a partir da lógica formal e das funções cognitivas envolvidas na apropriação de certos saberes. Porém, nesse caso, o conteúdo torna-se mero instrumento mediador, mas a mediação real opera-se pelo professor e não pela simples transmissão ou exposição de certo conteúdo ou matéria escolar.

Recentemente uso o termo "meta-disicplinar" para deixar claro a educadores, que mediação opera-se além das disciplinas, no pano de fundo. Para pensar certo conteúdo escolar, é necessário refletir sobre: Como o pensamento opera por trás deste conteúdo? Quais operações mentais são exigidas em certa disciplina escolar? Porém, postulo que tais ferramentas do pensar, podem ser fornecida independente do conteúdo formal e seu uso seria apenas alternativo. Mediação é essencialmente meta-disciplinar, ela está antes do conteúdo, na verdade é o princípio ativo do pensamento necessário para se aprender qualquer coisa dentro ou fora dos limites do currículo formal escolar.

2) Mediação não é instrução.
Dentro de uma abordagem vygotskiana, instrução seria a educação formal, a educação escolar baseada em conteúdos. A instrução pode ser mediadora, o que depende mais do professor do que da natureza da instrução per si, mas a mediação não depende da instrução a priori. Obviamente, no esforço de um bom professor em fazer que um determinado conteúdo seja compreendido por seu aprendiz, ele ensina seu aluno a pensar, embora o faça intuitivamente, ocorre algum tipo de interação mediadora ingênua, mas ainda assim, a mediação não opera-se pela "instrução formal". Pois para que haja mediação, é necessário certo grau de intenção do mediador.

Como discutido anteriormente, a mediação articula-se intra, extra, trans e meta-disciplinarmente. Um pai pode mediar seu filho, um avô pode introduzir seu neto a certos padrões mentais, um sábio ou mesmo um líder religioso fornece significados e destaca certos estímulos da realidade, introduzindo o aprendiz a certas ferramentas cognitivas.

O pensar respeita critérios, por isso é de natureza "crítica", pois problematiza a realidade a partir de regras lógicas. O pensamento procura organizar o mundo, tornando-o cognoscível. Mediar seria então fornecer ferramentas psicológicas para que o sujeito compreenda, interprete e decodifique o mundo e os estímulos que o rodeiam. O que está muito além da educação institucionalizada.

3) Mediação não é formação.

Formar é outra palavra que está no vernáculo pedagógico, mas seu uso está bem próximo do senso comum. Formar assume várias conotações, e geralmente é usada completamente desprovida de clareza ideológica ou teórica. Quando um professor diz: "Eu educo para formar o aluno". Ele não diz absolutamente nada. Pois formar significa forjar ou moldar alguém ou alguma coisa, e se a educação pretende ser um conhecimento de natureza formadora, deve-se inevitavelmente delimitar que formação se pretende, ou que tipo de "sujeito" se pretende "criar" e a partir de que valores ideológicos. Clareza ideológica significa explicitar uma formação para a cidadania, para o mercado de trabalho, para uma vida ética, para a vida espiritual-religiosa, para uma consciência ambiental e outros.

A formação é um fim, um objetivo educacional, enquanto a mediação opera-se no pensamento, submersa ao processo formativo. Naturalmente, uma educação formadora é provocadora, inventora do homem e em sua complexidade estão envolvidas diversas frentes pedagógicas, inclusive a educação cognitiva, que prestaria um excelente serviço nesse aspecto. Mas, ainda assim, não se pode considerar a mediação formadora no sentido mencionado, ela reside em lugares mais profundos.

4) Mediação não é mera problematização de algum conteúdo.
Uma aula pode ser problematizadora o que não significa que ela seja necessariamente mediadora. A interrogação é um elemento presente no ato mediador, é uma das diversas ferramentas lógicas presentes no ato mediador. A arte de perguntar é fundamental para uma boa mediação, a pergunta produz um desconforto cognitivo, um tipo de instabilidade nas estruturas do pensamento, o que permite o reajuste e a abertura dos esquemas mentais. Piaget faz uma brilhante pressuposição sobre a tendência das estruturas cognitivas à equilibração e a fechar-se em sua própria estrutura. Por outro lado, isso não significa que essas estruturas não possam ser alteradas, ou nas palavras do teórico, enriquecidas. O enriquecimento estrutural do pensamento é possível e a problematização é um excelente instrumento para pôr à prova a provisoriedade de certas relações que fundamentam o pensamento.

A diferença entre a problematização utilizada em uma aula formal e a problematização mediadora, é que a última preocupa-se em provocar o pensamento, tem uma intenção modificadora das estruturas cognitivas. Enquanto a primeira preocupa-se em provocar a curiosidade e o pensamento do aluno em favor de um problema disciplinar específico. Por exemplo, um professor ao perguntar a seu aluno: Por que o Brasil não é um pais desenvolvido? - tem uma intenção disciplinar. Quando um professor, que tem intenções mediadoras, ao estudar por exemplo "As propriedades do triângulo retângulo", pergunta: "O que são propriedades?" e generaliza-a a outras situações da vida ou a outras disciplinas, faz uma pergunta essencialmente mediadora, pois introduz seu aluno ao procedimento correto, à intenção metodológica, ao uso de ferramentas verbais como organizadores e mais ainda, transcende o significado de tal expressão a outras realidades. Esse é um procedimento tipicamente mediador, pois preocupa-se com a consciência metacognitiva do aluno, e não simplesmente com o sucesso da transmissão de certo conteúdo.

5) Mediação não implica em uma posição do docente como "animador" ou "estimulador".
Certas tendências pedagógicas modernas posicionam o docente (professor) como um "animador" ou "estimulador" de processos educacionais espontâneos. O chamado "construtivismo piagetiano" que de piagetiano tem muito pouco, tem essa tendência ao propor uma aprendizagem "espontânea" ou um certo "desenvolvimento espontâneo", em que o professor é apenas um provocador ou organizador das atividades, para que o aluno por si só possa se desenvolver naturalmente.

Mediação e docência se esbarram, porém a mediação convida o docente a assumir uma posição mais ativa. Isso não significa diretividade, o que remonta paradigmas conteudistas, mas clara intencionalidade pedagógica. O mediador não é alguém ingênuo, ou alguém que se coloca fora do processo mediador. Ele se envolve afetivamente e subjetivamente no desenvolvimento de seus mediadores. Mediação é uma experiência antropológica de troca, de permuta cognitiva e de alteridade. Esse deslocamento implica em compreender como o pensamento de seu aprendiz funciona. O que significa também que o mediador deve fundamenta-se em um bom programa de educação cognitiva como o PEI e fundamentar-se em profundo conhecimento teórico para estimular seus aprendizes.

6) Mediação não é qualquer tipo de interação entre professor e aluno.
Segundo Reuven Feurstein, para que uma interação seja considerada mediadora são necessários pelo menos 3 elementos:

1) Intencionalidade e Reciprocidade
2) Construção de significados
3) Transcendência da realidade concreta

A intencionalidade é a clareza do mediador, sua parcialidade e sua consciência sobre o ato mediador. Um estímulo ou uma relação humana pode não ser mediadora, quando desprovida de intenção, do pressuposto de que se quer modificar ou introduzir alguém ao pensar criterioso. Reciprocidade refere-se ao feedback, a resposta do aprendiz e a consciência de que seu mediador tem uma intenção, essa consciência pode ser percebida quando o mediando responde voluntariamente os estímulos de seu mediador interagindo com ele.

Por construção de significados compreende-se uma postura problematizadora e instigadora do mediador. Principalmente quando conduz seu aprendiz para além da superficialidade dos estímulos da realidade, antes provoca seus sentidos, sua percepção e seu pensamento, na interpretação dos significados dispostos em um livro, um texto, uma placa de trânsito, uma frase, uma música, não importa, o mediador provoca seu aprendiz para que compreenda o mundo a seu redor de forma significativa. O que significa inclusive, a apresentação de ferramentas verbais de um vocabulário aplicado de forma precisa e delimitado à situações específicas. Palavras como classificação, propriedade, característica, organização, estratégia, análise, inferência, tornam-se além de simples expressões, poderosas ferramentas na organização do pensamento em campos semânticos e esquemas de significados cognitivos.

Uma interação mediadora tem ainda como importante característica a transcendência, que é a obstinação do mediador em transformar uma experiência imediata de seu aprendiz em uma experiência universal. A lógica que opera em determinada experiência pode ser aplicada em outras situações distantes no espaço e no tempo, e que as regras de um determinado "jogo" podem ser utilizados em diversas situações. O elemento educacional reside justamente na superação do imediatismo cognitivo, do aqui-e-agora, para uma inteligência histórica e universal.

Conclusão

A melhor forma de definir o que é mediação, para evitar o uso inadvertido de tal expressão, é delimitá-la dentro de seu território teórico. Infelizmente a aversão de docentes e professores à teoria educacional tem produzido profissionais do senso comum, sem identidade, ao invés de profissionais que se valorizam e valorizam a pedagogia como ciência da educação. Este valor significa bom fundamento epistemológico, bom conhecimento científico e filosófico, e a ruptura radical com qualquer ideologia ingênua que procure desalojar a boa fundamentação teórica dos limites da educação.

A mediação introduz sujeitos ao mundo do raciocínio, da subjetividade e da cultura, ensina ao aprendiz a ler a realidade a partir de critérios fundacionais. Não basta receber os estímulos da realidade, não basta ser empurrado pelos ruídos de uma aula, é necessário fornecer ferramentas para que o aprendiz decodifique as palavras, os gráficos, os mapas, os números, o tempo e a vida.

Mediação é assumir que o modelo epistêmico e idealista de um sujeito que aprende na relação direta com o objeto não é real. Que realmente precisamos de outros para aprender, precisamos construir o conhecimento juntos, e sermos introduzidos na vida por um professor. A mediação devolve a posição que o docente jamais deveria ter perdido. O novo paradigma é que o homem aprende na relação intersubjetiva e não inter-objetal.

2 comentários:

Unknown disse...

O artigo é muito esclarecedor em relação ao que sempre pensei sobre o que é mediação. Como educadora de crianças da rede municipal de ensino, em Belo Horizonte,me preocupo em colaborar na construção de conhecimentos das crianças para que elas tenham uma visão própria sobre sua realidade.Este artigo será, sempre que necessário, consultado por mim quando a dúvida aparecer sobre "o que a mediação não é".

Nathalia disse...

Atuo na educação infantil, e como professora e educadora esta semana me deparei com um mediador que apena se preocupa com a estética e de que forma a mesma influencia sua atuação de pedagoga. Não creio que a estética pdoerá determinar que alguma atividade tem ou nao sentido para uma criança de 03 anos , isso é apenas medo de inovar, porque nos já nos apropriamos do fator de mediador entre tais agentes ... Então do que temos medo ? Onde iremos se ao propor uma atividade me preocupo com a estetica e não de que forma ela aprende?
O professor não é magico , mas há atividades que nao percebo relevancia alguma e pra meus alunos tem significado vital e neste processo eu me torno medidador do conhecimento,e da linguagem que a leva a descoberta.