O termo "rape culture" (cultura do estupro) foi criado durante a
segunda onda feminista nos EUA nos anos 70. O termo tem valor para a
militância feminista e tem um sentido muito específico dentro de certas
tendências políticas. A expressão se refere a noção de que todo
indivíduo quando estupra, o faz condicionado por determinado contexto
cultural ou simbólico. Geralmente, "cultura do estupro" cola-se a
noções como misoginia, patriarcalismo, objetificação da mulher,
machismo, pornografia e símiles.
O problema com o termo é que
ele enfraquece a responsabilização moral do criminoso, transferindo sua
culpa pessoal a fatores de ordem "simbólica" ou "cultural". A
despersonalização moral alavancada por um evento "abstraído
ideologicamente" (o estupro) dá força discursiva à militância em
questão. Força discursiva assume força política, logo justificará
intervenções e pacotes de "reforma cultural". Mas, espere aí! E, a
vítima? E, o estuprador? Percebeu a cortina de fumaça?
O
violentador e o violentado não são tratados em uma relação real em que
há violência e violação da dignidade humana. O discurso não é contra o
estupro, mas dirigido a um "fenômeno" artificialmente contextualizado,
amoral e despersonalizado, retroalimentado pela comoção pública, e
finalmente instrumentalizado para fins políticos. A vítima, neste caso,
está sendo usada duas vezes: sexual e ideologicamente. O propósito
final por trás do meme "cultura do estupro" não é a proteção da vítima,
mas o triunfo de uma agenda.
Ironicamente, a maior organização
americana contra violência sexual e que advoga por vítimas deste tipo de
violação, a RAINN (Rape, Abuse & Incest National Network), aclamada
e referendada pela militância feminista, alerta: "Nos últimos anos, tem
havido uma infeliz tendência em acusar a 'cultura do estupro' pelo
extensivo problema de violência sexual ... Enquanto é útil destacar as
barreiras sistemáticas dirigidas ao problema, é importante não perder a
noção de um fato simples: estupro é causado não por fatores culturais
mas por decisões conscientes, de uma pequena porcentagem da comunidade,
em cometer um crime violento."[1]
Não tenho dúvidas de que há
diversos fatores envolvidos no comportamento sexual de um estuprador,
inclusive aqueles que não são meramente "culturais". O documento da
organização RAINN endereçado à Casa Branca em 2014 assevera que a
tendência de focar na "cultura do estupro" tem o efeito paradoxal de
'remover o foco da culpa individual, e acaba enfraquecendo a
responsabilidade pessoal por suas próprias ações'. Então, que o
estuprador seja punido como criminoso e a vítima tratada como tal. E,
que ambos não sejam abstraídos ou recortados e colados em contextos
discursivos artificiais. Esta é a melhor a mais eficiente coisa a ser
feita a perpetradores e vítimas.
Uma última consideração... Se, o
que está na raiz do estupro é objetificação da mulher, como se alega,
então que a militância feminista seja a primeira a não usar uma
linguagem de "territorialização" ou "cercamento" do corpo, tratando-o
como "propriedade privada". Pois é exatamente isto que está por trás de
frases de efeito do tipo: "Meu corpo minhas regras." Mulheres não são
seres desencarnados ou dicotomizados entre o "eu" e o "corpo", entre
"sujeito" e "objeto", elas são inteiras, foi assim que uma mulher, minha
mãe, me ensinou sobre as mulheres. Então, que tenhamos mais mães como a
dona Matilde e menos experimentos políticos.