29 de jul. de 2015 | By: @igorpensar

Teologia da Cidade [áudio]

A primeira parte de uma reflexão introdutória a respeito da teologia da cidade.  A relação do cristão, do evangelho e da cultura no contexto urbano.

Parte I 



Parte II

Vulnerável aos Vulneráveis


Tenho muita, mas muita dificuldade com a retórica de messianização do pobre (muito presente em determinadas tendências ideológicas).  Trabalho há quase 5 anos com crianças e adolescentes em contextos de alta vulnerabilidade.  Pela graça de Deus, faço parte de uma equipe e uma ONG profundamente interessada na garantia do direito ao desenvolvimento pleno de suas capacidades humanas.  Porém, jamais me deixei envenenar por qualquer ufanismo triunfalista e tampouco uma antropologia rousseauniana ingênua.  Não tenho qualquer pretensão de transformação estrutural ou mudanças revolucionárias e também não acho que o pobre seja privilegiado, em termos morais, em relação a mim, simplesmente por causa de sua condição pobre.  Porém, admito, que a maioria esmagadora dos eleitos de Deus são pobres materialmente: a história e as Escrituras comprovam.  Logo, bíblica, histórica e intuitivamente, Deus favorece misteriosamente os mais vulneráveis, mas não acho que seja um critério soteriológico, mas uma forma particular em que Deus opera para exibir sua glória.

Não acho que eu mereça -- e nenhum cristão -- nenhum tipo de admiração por tal tarefa, e esta afirmação não se baseia em uma postura demagógica. Este é um fato experimentado por qualquer missionário/profissional realmente interessado nos mais vulneráveis: jamais serviríamos tais indivíduos por nossa própria competência, somos arrastados ao serviço e ao amor pois o próprio Cristo os ama e quer servi-los.  Raras vezes sou reconhecido por meus educandos ou seus pais por qualquer esforço em vê-los melhorando em inúmeras competências sócio-emocionais e cognitivas.  E, de fato, não tenho nenhuma expectativa de reconhecimento.  Pois o que faço é ínfimo, e depois, não é isto que me encoraja.  Então que Deus nos livre de um farisaísmo performático.  Que Deus nos livre de uma admiração desproporcional e desnecessária.

Um cristão se move no sentido dos mais vulneráveis por causa de dois grandes mandatos divinos: a grande comissão (ide) e o grande mandamento (amar).   Para mim, cristãos precisam amar mais.  E, neste ponto, acho que o Antônio Carlos Costa​ em seu livro "Convulsão Protestante" acertou.  Eu teria algumas pequenas reservas a respeito, por exemplo, de sua tese sobre "encontrar Deus no pobre", acho que isto merece maiores explicações.  Mas acho, que em termos gerais, o coração dele arde por uma causa muito importante:  evangélicos precisam dar um passo mais consistente na direção dos mais pobres e vulneráveis.  Nosso país é marcado por profundas desigualdades, violência, fracasso institucional, impunidade e empobrecimento moral.   A meu ver, é simplesmente inquietante que cristãos fiquem indiferentes ao sofrimento alheio. 

Tem mais alguma coisa no Antônio que coaduno:  cristãos precisam de um choque de realidade.  Eles precisam deixar suas vidas cômodas e entrar dentro de uma cracolândia, subirem o morro, visitarem presídios ou coisas semelhantes.  De fato, não há como continuarmos sendo cristãos da mesma forma depois de uma imersão na realidade dos que sofrem.

Sou favorável ao fortalecimento da sociedade civil, temos que superar esta dependência estatal, e por incrível que pareça, nós todos, como comunidade cristã deveríamos nos envolver com a tarefa de dignificar mais brasileiros empobrecidos e vulneráveis.  Deveríamos assumir isto como tarefa.  Não falo que a Igreja Local deva fazê-lo, não acho que Igrejas Locais devem ser ONGs.  Mas penso que igrejas devem ensinar sobre o amor, a compaixão e a generosidade a seus membros.  Que eles se envolvam, que doem e compartilhem seus bens e suas capacidades a serviço dos que precisam.

Sustento que uma tensão entre os dois mandatos mencionados é desnecessária.  Que continuemos anunciando Jesus Cristo, ensinando sobre sua obra salvadora, e que pessoas continuem crendo em sua obra justificadora.  Mas que igualmente, amemos de forma desinteressada e incondicional os mais vulneráveis, servindo-os em suas necessidades concretas.  Estamos diante de uma oportunidade singular de testemunharmos um cristianismo robusto pela pregação e pelo serviço.  Sem sobreposição e sem confusão entre evangelizar e servir.

Gostaria ainda de salientar que nosso conceito de pobreza também carece de uma definição mais sofisticada.  De fato, há muitas pobrezas e riquezas.  Há os materialmente pobres, mas ricos de sabedoria, generosidade e graça de Cristo.  Há os emocional e socialmente pobres, cativos de entorpecentes e da miséria de uma doença grave, mesmo sob posse de quantias financeiras abundantes.  Em Apocalipse, a Igreja de Laodiceia, apesar de sua riqueza financeira, foi chamada de pobre pelo próprio Cristo.  Precisamos de critérios mais elaborados sobre pobreza, uma abordagem complexa e multidimensional para mapearmos a vulnerabilidade humana.

Um conceito multidimensional de pobreza sob uma perspectiva cristã exigiria ferramentas teóricas mais precisas.  Principalmente uma filosofia e uma teologia que leve em consideração a narrativa bíblica "criação-queda-redenção" e uma cosmologia e antropologia judaico-cristãs.  Sem tais recursos, cairemos fatalmente em uma espécie de ufanismo ideológico revolucionário, ou uma espécie de quietismo que fica esperando a caridade alheia.   Mas esta é outra conversa.

Finalmente, a convocação final é que amemos, que Cristo se manifeste em palavras e obras, que corações se convertam. Senão se converterem, que sejam servidos, cuidados e dignificados.  E, que tais obras sejam como luzeiros em mundo cínico em relação ao compromisso de cristãos com Cristo e com as pessoas.
13 de jul. de 2015 | By: @igorpensar

Sede sábios! A superação da tolice generalizada.

"Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento?" (T.S. Eliot)

A superação de uma cultura que promove a tolice e a cultura "sem noção".  A sabedoria é uma espécie de segunda natureza, uma vida virtuosa, é adquirir uma habilidade existencial para viver bem e com foco no bem último.

6 de jul. de 2015 | By: @igorpensar

O Problema da Nudez Moral

Ao aprofundar as reflexões sobre a cultura afetiva, e a partir de muito do que se tem ouvido em minha comunidade de fé, chego a conclusão de que a couraça ou o revestimento moral que deveríamos ter está ausente ou comprometido.  O que significa enfim que vivemos o tempo presente em "carne viva".  Daí nossa hipersensibilidade, reatividade, fobia social e intolerância.

Explico melhor: por revestimento moral entendo a vida pessoal equipada por uma sabedoria que se constitui da internalização de valores morais e virtudes que orientam nossa resposta em relação ao mundo e a vida com as pessoas.  O sábio é aquele que tem suas pulsões contidas e/ou educadas para agir e interagir com o mundo e com as pessoas de forma ética e responsável.

Pessoas despidas de revestimento moral tendem a ser como sujeitos em “carne viva”.  Sabe quando alguém encosta em uma queimadura?  Não resta outra coisa ao queimado senão uma reação desproporcional, desmedida e até violenta para proteger-se e livrar-se do desconforto e da dor.  A cultura afetiva vem despindo e expondo à nudez gerações inteiras que não possuem dispositivos morais suficientes para lidar com e tolerar o convívio social.  A desorientação provocada é tão grande, que resta ao estado moderno, por via jurídica, criar dispositivos impessoais para compensar a pobreza ou falta de revestimento moral nos indivíduos.

Importante destacar aquilo que o filósofo alemão Immanuel Kant chamava de “sociedade civil ética” segundo ele é “um estado em que [os homens] se encontram reunidos sob leis não opressivas, ou seja, simples leis de virtude”¹.  A comunidade ética se distinguiria do “estado jurídico”, pois este se sustenta pelo poder coercitivo e pela força da lei institucionalizada, enquanto aquele funda-se em valores morais internalizados, ou seja, virtudes.   Ainda, Kant chama a atenção para o fato de que o estado jurídico, o estado como conhecemos, deveria promover a comunidade ética para seu próprio bem.  A truculência, o abuso e onerosidade estatais devem-se justamente a indivíduos, e consequentemente, uma sociedade moralmente empobrecidos.

Curiosamente os que adotam o campo afetivo como critério de justiça acabam por promover uma cultura amoral de alta reatividade.  Querem superar a violência removendo precisamente aquilo que tem o poder de conter a violência. Ao invés de promover instituições que formam armaduras morais, eles colocam no mundo sujeitos moralmente empobrecidos e criam leis e jurisdições para que ninguém se esbarre, criando a atmosfera perfeita para o individualismo, o caos e tensões interpessoais.  E, claro, ampliando o poder do estado e sua ingerência em esferas que não são de sua alçada.

Nossa intolerância a dor, ao sofrimento e em relação ao convívio social se devem em muito a este estado de nudez moral.  Criamos uma distância ou uma margem de segurança em relação ao outro por medo do desconforto.  Só nos resta o isolamento e a fuga de qualquer tipo de vínculo comunitário e convívio social.  Ao invés de lidar com nossa nudez, elaboramos vestes improvisadas de “folhas de figueira” e nos isolamos de Deus e das pessoas.  O resultado só poderia ser Caim matando Abel, ou seja, a violência.  Quando Sartre diz que "o inferno são os outros", o faz a partir de seu lugar de homem já queimado pelo fogo eterno.  Sua carne está sendo devorada, não resta outra coisa a ele senão a intolerância.

Mas quem promove capital moral?  Quais são as instituições que manufaturam roupas moralmente apropriadas para imergimos na vida social sem medo do outro?  Sem dúvida instituições providenciais e consagradas pelo tempo como o casamento, a família e a comunidade de fé.   Porém o que o cristianismo propõem é algo além e mais consistente.  A raiz da nudez do ser humano encontra-se no fato de que ele se encontra curvado sobre si mesmo.  Ao perder a visão do sagrado, a noção de transcendência, ele se descobriu nu (Gênesis novamente).  Ou seja, despido e privado de um revestimento de sabedoria que pudesse equipá-lo para viver sem medo no mundo de Deus.  Não é em vão que a “árvore da vida” é associada com a sabedoria na literatura sapiencial hebraica.

Agora fica claro que quando o apóstolo Paulo usa expressões como "revestir-se do novo homem" ou "revestir-se de Cristo" ele se refere a necessidade da apropriação de uma nova existência.  Sem esta couraça da fé, a roupa do Cristo ressuscitado, ainda que se tenha vestimentas morais, socialmente necessárias, elas ainda são insuficientes para lidar com o ardor da permanente presença de Deus no mundo.  Neste caso, devemos recorrer à noção apostólica de que Cristo é a interface entre o cristão, as pessoas e o mundo, nosso amor em relação ao próximo não é sentimentalista, é mediado por Cristo.  Nas palavras do pastor e mártir Dietrich Bonhoeffer:
“Entre meu próximo e eu está Cristo.  Por isto não é me é permitido desejar uma comunhão direta com meu próximo.  Unicamente Cristo pode ajudá-lo, como unicamente Cristo pode me ajudar.   Isto significa que devo renuncia as minhas intenções apaixonadas de manipular, forçar ou dominar a meu próximo.”²
Enfim, Cristo é a resposta mais adequada para o empobrecimento moral generalizado, e por incrível que pareça, nele se encontram os recursos para uma vida livre da ingerência e do controle estatal e do empobrecimento sentimentalista da cultura afetiva.  Qualquer ataque contra ou tentativas de redefinição do casamento, da família ou da igreja, devem ser encaradas como uma violação das principais instituições responsáveis pela proteção da liberdade humana.  São elas as responsáveis pela produção e revestimento da vida moral.  Promoção de capital moral desonera e protege a sociedade civil do abuso estatal, e por outro lado, equipa indivíduos para lidar com a vida em sociedade superando a pulsão por violência.
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¹ A Religião nos Limites da Simples Razão, Parte III, Seção I.
² Livro “Vida em Comunhão”.