Por Igor Miguel
Há um termo, que não é muito corrente no Brasil, mas que é vastamente utilizado e conhecido nos EUA e na Europa, a expressão “sionismo cristão”. O sionismo cristão é uma referência a cristãos que se identificam com a causa sionista, ou seja, apoiam direta ou indiretamente o direito dos judeus existirem como nação em sua própria terra.
Há poucas semanas, o Brasil foi testemunha da apatia e da omissão do Presidente Lula quando não quis visitar o túmulo do ideólogo da doutrina sionista, Theodore Herzl. Com este ato, o presidente trouxe muito desconforto a ala conservadora do Brasil e diretamente à comunidade judaica local, internacional e o povo israelense.
Porém, costumeiramente, o sionismo é visto de forma restrita, como uma iniciativa político-nacionalista dos judeus, inspirada direta ou indiretamente em motivos religiosos. Apesar de que o próprio Herzl não tinha motivos religiosos em sua agenda política, sabe-se que sem o apoio dos judeus religiosos e a clara intensão de repatriação dos judeus na antiga e histórica Eretz Israel (Terra de Israel), o sionismo fracassaria enquanto ideologia.
Agora, uma faceta que pode parecer nova para muitos judeus e até mesmo para cristãos, é que nem tanto a doutrina sionista, mas o movimento sionista propriamente dito, deve-se em grande parte a uma ala cristã protestante, cuja visão de mundo, parte de pressupostos religiosos muito específicos. Sem o apoio de cristãos sionistas e o filo-semitismo de determinados segmentos cristãos, o movimento sionista poderia não ter o apoio de importantes personagens, seja em segmentos políticos internacionais, ou mesmo o apoio popular neste sentido.
Exatamente! Me choquei também com a afirmação acima, mas ela me pareceu fazer muito sentido, quando li o artigo do Professor Shalom Goldman, docente da Emory University responsável pela cadeira de Hebraico e Estudos sobre o Oriente Médio, publicado no site Religion Dispatches com o título Excerpt: The Christian Roots of Zionism.
Shalom Goldman destaca o fato de que o historiador Richard Popkin escreveu no início do século XX que “Muito do sionismo tem suas raízes no cristianismo ao invés da doutrina judaica”. Isto se deve, segundo Goldman, a uma visão teológica e hermenêutica literalista das Escrituras de alguns cristãos. Exatamente isto, enquanto linhas mais próximas de uma hermenêutica alegórica, como o catolicismo, correntes luteranas e anglicanas; tradições mais apegadas à hermenêutica literal e mais inclinadas ao texto bíblico propriamente dito, do que a uma tradição, compreenderão as profecias bíblicas, não como um texto alegorizado, ali Israel é Israel, não é uma analogia da Igreja, ou o “Israel Espiritual”, é literalmente o povo judeu.
Um elemento, que causou um impacto muito grande nesta percepção cristã anglo-saxônica, tem raízes bem mais antigas, fato não mencionado por Goldman no artigo. Me refiro ao israelismo britânico, ou também conhecido como anglo-israelismo entre os séculos XVII-XVIII, que foi um movimento importante em que puritanos e calvinistas hiper enfatizaram os vínculos entre a eleição de Israel e dos cristãos.
Nas institutas, Calvino procura demonstrar, como brilhantemente faz em suas construções teológicas, que a doutrina da eleição presente no Novo Testamento, tem fundamento no Antigo Testamento, quando Deus elegeu Israel dentre as nações. Para Calvino, esta é a referência de Paulo quando elaborou o capítulo 9 de Romanos. Vale a pena dar uma lida no post Calvino e os Judeus. Na Grã Bretanha a conexão entre Antigo Testamento, Israel e Cristianismo eram tão fortes, que no prefácio da Versão King James, a Inglaterra é chamada de Sião.
Este elo entre a eleição calvinista e a eleição de Israel, causou um impacto muito forte na cultura inglesa, uma relativa simpatia ao povo judeu, que era aquecida pelo literalismo teológico presente em determinados círculos reformados e até mesmo não reformados.
Poderíamos citar homens praticamente desconhecidos no ocidente como Richard Brothers (1757-1824), calvinista que em 1793 se viu, segundo ele por uma revelação, como um instrumento para a reunião dos judeus de volta para a Terra de Israel, denominada por ele de Palestina. Brother em 1795 escreveu um livro intitulado A Revealed Knowledge of Prophecies and Times (Um Revelado Conhecimento das Profecias e dos Tempos), este livro é uma amostra do tratamento literal dado às profecias bíblicas. Este critério hermenêutico, cujo impacto na cultura inglesa e americana, pavimentará a relativa simpatia destes países pelo povo judeu e o futuro apoio a um moderno estado para abrigá-los.
Houveram vários “profetas” milenaristas e filo-semitas de correntes calvinistas durante os séculos XVII e XVIII. O israelismo britânico tornou-se tão forte neste período, que exageros foram inevitáveis, como a associação de Grã-Bretanha com as tribos perdidas de Israel, previsões escatológicas por datações e cálculos genealógicos e outros desvios teológicos. Porém, não se pode negar, que esta euforia profética e a percepção calvinista de aceleração da redenção pela atuação dos santos no mundo, impactou profundamente a cultura anglo-saxônica em seu favorecimento aos judeus.
O que o dispensacionalismo, mais tarde faria, distinguindo entre Israel e Igreja, seria uma contribuição positiva, mas já sob impacto da interpretação escatológica literalista de correntes calvinistas inglesas. Apesar do próprio John Nelson Darby (1800-1882), pai do dispensacionalismo, não ser de origem calvinista, sentiria as pressões culturais do que tinha sido legado há quase um século atrás.
Shalom Goldman, autor do artigo em questão, destaca em seu texto um fato moderno que pode ser mapeado na lógica apresentada até aqui. Segundo ele, nos EUA em 1948, o então Presidente Truman, foi favorável à constituição do Estado de Israel por motivos religiosos. Esta evidência foi confirmada, quando em 1953, agora ex-presidente Truman, foi convidado para palestrar no Jewish Theological Seminary (Seminário Teológico Judaico) em Nova Iorque. O rabino que o convidou, o apresentou como “... o homem que ajudou a criar o Estado de Israel...”. Em resposta Truman disse: “O que você quis dizer com 'criou'? Eu sou Ciro! Eu sou Ciro!”. Fazendo referência ao famoso rei persa que decretou o retorno dos judeus do exílio para a Terra Santa.
Um outro elemento importante no texto de Shalom Goldman é o destaque que dá à popularidade americana dada à saga do povo judeu na reconstrução de sua nação. Ele menciona que uma dos protagonistas, do filme campeão de bilheteria Exodus, era uma enfermeira cristã que trabalhava para a cruz vermelha em Israel, que ao ver o recente exército de Israel (IDF) enfileirado, declarou em tom quase profético:
“Este não é um exército de mortais. Estes são os antigos hebreus! Estas são as faces de Dã e Rubens, Judá e Efraim! Estes são Sansãos e Déboras, Joabes e Sauls. Este é o exército de Israel, e nenhuma força na terra poderá pará-los, pois o poder de Deus está com eles.” (tradução nossa).
Sem dúvida, o movimento sionista deve em muito ao cristianismo, em especial determinadas correntes teológicas, sem as quais, não haveria o apoio do ocidente pela fundação do moderno Estado de Israel. Graças a Deus, pois apesar de determinados segmentos do cristianismo terem virado às costas para os judeus durante o holocausto, outro segmento mostrou-se sensível às profecias e ao direito deste povo existir como nação em sua própria terra.