28 de out. de 2008 | By: @igorpensar

Passageiro hóspede do que passou

Por Igor Miguel

-- Estás de passagem caro companheiro?
-- Sim estou! - Disse o homem que passava.
-- Por que passas?
-- Passo porque a vida é assim, nós passamos.
-- Por que não encontras um repouso? Por que não te instalas diante dessas montanhas?
-- Porque estou de passagem, como já disse! - Respondeu o andarilho com um tom de impaciência.
-- Então, por que passas?
-- Passo, porque tudo é novo. Tudo é passageiro. Tudo se faz e se desfaz.
-- Tudo? Como ousas dizer tal coisa? Olhe essas montanhas, aí estão!
-- Ora, por que me amolas? Devo ir-me!
-- Ir aonde? Se tudo é passageiro, como insistes, para onde vais?
-- Vou para onde eu quiser.
-- Pense! Tu não vais, as coisas é que passam.
-- Como assim? - Perguntou intrigado o peregrino.
-- Sim. Tu estás aí, pensas que andas, mas as coisas é que passam. Tu estás sempre no mesmo lugar, no lugar dos que fogem, no lugar dos que procuram...
-- Tu me irritas!
-- Sim, sei que te irrito. Mas, quero dizer-te que podes, ao invés de peregrinar, parar por aqui e olhar aos que se passam, aos que cruzam o teu caminho.
-- Dizes que fujo?
-- Não! As coisas é que fogem de você, elas te escapam. Quando pensas em parar?
-- Não penso em parar! Mas, admito que nunca pensei no que falas.
-- Sabe por que pensas agora?
-- Não... Me digas!
-- Porque parastes pra pensar e chegaste a conclusão que, o passageiro é hóspede da transitoriedade.
10 de out. de 2008 | By: @igorpensar

Pedagogia eclética. Que trem é esse?

Por Igor Miguel

Há alguns anos, perguntei a uma pedagoga qual o método de alfabetização ou qual pressuposto teórico ela tinha simpatia, ou a partir de qual referencial ela pensava sua práxis pedagógica. Naturalmente, esperava que ela dissesse algo como, sou construtivista ou sócio-interacionista, dialética, materialista-histórica, crítica, libertária, behaviorista, tradicional-conteudista ou algo do gênero; mas não, ela disse: - Sou eclética!


Eclética? Até hoje estou digerindo essa resposta e não tenho coragem de dizer o que penso sobre o que ela disse e por favor, não me force a dizer isso pra ela. Torço para que ela leia este texto acidentalmente - tomara que isso aconteça - mas, não estou disposto a fazer isso, ainda não.

Mas, voltando a resposta da pedagoga eclética. Sinceramente, o que ela desejava dizer com isso?

O termo "eclético" vem do grego εκκλητικος (ekklétikos), o Dicionário Aurélio o define como: "Posição intelectual ou moral caracterizada pela escolha, entre diversas formas de conduta ou opinião, das que parecem melhores, sem observância duma linha rígida de pensamento" (Dicionário Aurélio - Versão Eletrônica). Interessante pois filologicamente falando, o termo grego em sua conotação primeva, é uma junção de de duas expressões gregas.

A primeira delas é "ek" que é uma preposição ablativa, cujo desdobramento latino é o ex*, que pode ser traduzida como "de" (de origem, como from em inglês).

A segunda parte da palavra vem da raiz "klêtós" que pode ser traduzida como "chamar", "convocar", "eleger", etc.

O termo ekletikos tem conotação política, Xenofontes usa a expressão referindo-se a um comitê de cidadãos escolhidos para uma função específica.

Baseado nessas informações poderíamos construir uma definição etimológica de "eclético" ou do que vem a ser "ecletismo".

Em português a idéia de "escolha" está presente no termo eclético, ao menos conforme o Aurélio, há uma conotação eletiva, como alguém que "elege" certas idéias como próprias e assim, evita a rigidez de apenas uma opinião.

Meu receio, é que minha amiga, ao dizer "eclética" não o fez nos termos do Aurélio, temo que ela associou seu "ecletismo" como justificativa para sua ingenuidade teórica, como uma resposta "evasiva" para o esvaziamento epistemológico de sua prática pedagógica.

Receio, que a pedagoga eclética, seja um pedagoga do pragmatismo pedagógico, do ativismo inconsciente e possivelmente uma profissional do senso comum.

Uma pergunta perturbadora seria: É possível ser um pedagogo eclético? Respeitando-se a conotação etimológica da palavra, acredito que sim. Se ser eclético significa se apropriar de algumas abordagens pedagógicas que são contíguas, que dialogam entre si, sim é possível ser eclético. O que não significa que isso seja algo simples, penso que nos termos acima seria quase insustentável o ecletismo. A exigência intelectual de combinar diversas referências teóricas e a partir delas construir uma referência metodológica para ensinar, não é tarefa fácil.

Sinceramente, os novos rumos da pedagogia no Brasil, não são muito animadores. O caminho que as faculdades de educação estão tomando, a partir dos novos paradigmas legais (novas diretrizes curriculares do curso de pedagogia), resulta em uma pedagogia pragmática. Isso significa que a pedagogia perde sua sofisticação e o pedagogo não é um cientista da educação. Deveria sê-lo, mas não é, já deram o último golpe nessa ciência que estava quase morrendo. Nas novas diretrizes do curso de pedagogia, a pesquisa está afixada no último lugar, em uma escala hierarquicamente organizada em docência, gestão e pesquisa, isso não deveria ser assim. Pergunto: quem está pensando pedagogia enquanto ciência?

Mas, os grandes responsáveis por esse fracasso epistemológico, foram os próprios pedagogos, pois ao gabarem-se de seu ecletismo, esvaziaram a pedagogia de sua profundidade teórica, dicotomizando teoria-prática, desmerecendo a tradição científica sobre a educação, debochando de homens como Piaget, Vygotsky, Makarenko, Freire, Dewey e outros. Existem, contradições entre essas abordagens, fazer recortes entre eles, e eleger o que parece interessante, é uma arte que eu pessoalmente não sei fazer, e tenho minhas dúvidas que alguém o consiga de forma competente. Não quero ser generalista, luto contra isso, tenho esperança, e me orgulho de minha profissão, luto para não ser associado com um animador de crianças, luto para mostrar que nossa profissão é algo além, e o faço com alguma leitura, com reflexão e me esforço para articular isso em minha prática pedagógica.

Não é de hoje, que insisto sobre a crise epistemológica da pedagogia, fiz um crítica sobre isso aqui neste blog em outro momento quando ainda estava no segundo período da faculdade. Já sentia essa angústia naquela época.

Me parece que o caminho para superar a crise seria criar uma nova tradição, estimular a pesquisa, fomentar filósofos da educação, provocar o surgimento de cientistas da educação e epistemólogos da pedagogia.

Uma pessoa que diz que é construtivista e sua prática é tradicionalista, ou a que diz que é libertadora e é conteudista, não é nada, é um auxiliar de distribuição de saberes bancários**.

Sinceramente, tenho minhas dificuldades de denominar isso de ecletismo pedagógico. Isso é um pandemônio pedagógico, um mutante hibrido, andrógeno, uma coisa indefinida. Uma contradição à natureza da pedagogia, enquanto ciência que educa deliberadamente, com intencionalidade.

Se neutralidade científica é um mito, ecletismo pedagógico é uma desculpa esfarrapada para a inconsciência profissional. Ecletismo pedagógico é sinônimo de ingenuidade pedagógica.

Tenho esperança, o fatalismo não faz meu estilo, minha formação ético-religiosa me ensinou a crítica, mas também me ensinou a esperança, o sonho e a possibilidade de mudança. Acredito que nossas ações tem efeitos redentores. Baseado nessa ética, podemos mudar a situação, a coruja*** pode voar mais alto e sair da caverna da obscuridade. Há certa conotação revolucionária nessa fala, um "q" de revolução cultural. O desafio seria um retorno aos clássicos, ler bons teóricos, fazer boas leituras, não esses livros de fórmulas educacionais prontas, de discursos milagrosos, mas boas referências.

Insisto, que a pedagogia é ciência da educação, essa é minha utopia, e sonho com grandes debates epistemológicos, com mais congressos, simpósios e pesquisas que tenham isso como tema.

___________
* Um bom exemplo do uso da preposição "ex" (latim) é a expressão ex-nihilo que pode ser traduzido como "do nada".
** Bancário, no sentido que Paulo Freire dá ao termo, quando se refere à eduacão conteudista.
*** A coruja é símbolo da pedagogia.
5 de out. de 2008 | By: @igorpensar

The Wall Street Bull

Por Igor Miguel

O Charging Bull ou Wall Street Bull, uma escultura em bronze de um touro feito pelo artista italiano naturalizado americano Arturo Di Modica, repousa em suas mais de 3 toneladas no Bowling Green Park próximo a Wall Street em New York. O Bowling Green Bull, como também é conhecido, tornou-se um símbolo da vigorosidade e robustez da economia americana ante as instabilidades do mercado internacional. O touro reprodutor, viril e musculoso, inspira confiança em um mercado livre, agressivo, otimista e próspero.

O Touro de Bronze remete inevitavelmente ao Bezerro de Ouro, esculpido pelos israelitas recém saídos do Egito, no deserto do Sinai diante da outorga da lei divina, a Torá. O que vemos é um povo que testemunhou os milagres da liberdade, dos valores éticos de um Deus pessoal, de uma relação real entre o Eu-Tu Eterno¹. Este mesmo povo ao se deparar com a ausência de seu libertador e profeta, Moisés, angustia-se procurando em um culto menos elaborado, concreto, respostas para seus dilemas existenciais. Com os despojos retirados dos egípcios, colares, brincos e símbolos em ouro, fundem e esculpem ante os olhos complacentes do sacerdócio araônico, um ídolo, que quase remete ao Touro de Wall Street, salvo por sua matéria prima.

Lembro-me de uma frase de meu professor Daniel Juster, quando disse que "Há um êxodo para todos os povos". Sem dúvida a experiência de emancipação dos judeus do Egito, é protótipo das aspirações de todos os povos que procuram identidade nacional e liberdade.

A história americana rememora o êxodo quando pensamos na travessia de seus colonizadores, a ruptura com a metrópole inglesa, os fundamentos éticos judaico-cristãos e como os EUA tornaram-se o símbolo de uma terra que agrega a diversidade e a liberdade, dos negros, dos judeus vindos de terras brasileiras e outras minorias, que experimentaram seu êxodo.

O grande problema é que a visão de mundo judaico-cristã, era um desafio intelectual muito grande, ante a acessibilidade aos recursos, ao dinheiro e a concretude dos despojos trazidos com a liberdade. Seus profetas se ausentaram, seus sacerdotes assistiram silenciosamente ou deixavam-se levar pela cultura de massa. Como Arão, tele-evangelistas, padres e rabinos, calaram-se, e o Bezerro de Bronze foi trazido sem permissão ao Bowlling Green Park², todos o veneravam, todos ofereceram oferendas a sua virilidade e imponência. Mamon, o antigo deus da riqueza, é agora reverenciado e personalizado através de um mercado tão autônomo, que de fato é uma coisa, uma entidade. Este deus tem sacerdotes e doutrina, sua regra de fé e prática é o laissez-faire. Os místicos judeus arrumaram uma "cabala do dinheiro" e os pastores evangélicos brasileiros vão aos EUA estudar nas escolas dos paladinos do evangelho da prosperidade.

A primeira preocupação dos dirigentes políticos e dos economistas com a queda das torres gêmeas não foi com as pessoas, mas com os consumidores, os adoradores da "besta que subiu do mar" (Apocalipse 13), o mercado.

Os americanos abandonaram o monoteísmo e tornaram-se idólatras, curvaram-se diante da soberania do dinheiro, do mercado e da riqueza, abriram mão da fé relacional e humana, por uma relação Eu-Isto (Buber), objetal, reducionista e desumana.

Muitas coisas podem ser ditas a respeito da crise econômica americana, muitos fatores estão envolvidos, uma resposta seria ingênua, mas não tenho dúvida, que de alguma forma, pode-se dizer que o problema da economia norte americana é a hipocrisia. A hipocrisia de ter impresso em suas cédulas In God We Trust, quando na prática o que se pensa é In Markets We Trust³.

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¹ Relação dialógica que determina a humanidade e a consciência ontológica dos homens, segundo o filósofo Martin Buber.
² Arturo Di Modica trouxe o Charging Bull sem permissão e licença ao Bowlling Green Park.
³ Devo essa reflexão ao artigo In Markets We Trust de Peter Laarman.