30 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

Casamento: seu status não depende do estado

Encontrei algumas objeções a ampla defesa que temos feito no sentido de que "o casamento não deve sua existência ao estado". Quando digo nós, refiro-me a meu texto recente sobre o assunto, as postagens do Guilherme de Carvalho[1][2] e do Rodolfo Amorim.

Mas, destaco uma das objeções que li aqui no Facebook, publicado por Eliel Vieira
“Casamento, portanto, não é algo 'sagrado', 'ontológico' (como li esta semana num texto o-choro-é-livre de algum cristão fundamentalista) ou 'metafísico'. É algo civil, secular, laico, que deve ser regulado pela constituição, não por interpretações da Bíblia. O argumento de que "o casamento é uma instituição milenar que precede a existência do Estado e, portanto, não deve ser regulado por este" é raso e cheio de problemas. Exercer punição a quem comete delitos também é algo que precede a existência do Estado como o conhecemos, e este tem o poder e o dever de criar leis que punam criminosos. Sendo o casamento portanto uma instituição civil, secular e laica, o direito a ele deve ser acessível a todos homens e mulheres - heterossexuais ou não - que queiram resguardar seus direitos e deveres em relação à vida conjunta com seu parceiro ou parceira. Se vão se divorciar na semana seguinte ao casamento isso não é da nossa conta.”
Bem, aqui vai minha contra-objeção: dizer que o casamento assumiu um status civil, ou seja, um reconhecimento estatal, é muito diferente de dizer que o casamento deva sua existência ou deva ser redefinido pelo estado.  Pois, obviamente, o casamento antes de ser um contrato civil, mesmo em culturas poligâmicas, é um pacto de comprometimento moral e união assimétrica (macho-fêmea), e isto, desde tempos imemoriais. 

Até Levi-Strauss seria útil aqui, basta dar uma olhada em seu livro “Estruturas Elementares do Parentesco” pra sacar. Não há registro de um pacto de compromisso moral ritualizado – antropologicamente identificado – entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma cultura do mundo.  As exceções históricas estão dentro do estado moderno. 

Mesmo que a prática homossexual exista antes do estado moderno, ela deve ser tratada como um fenômeno cultural distinto do casamento. Por quê? Porque não tem assimetria, o binarismo macho-fêmea, não há alteridade (a união com a diferença), o que enfim, impossibilita a exogamia (Lévi-Strauss), ou seja, a expansão da "espécie humana". Casamento é antropologicamente outra coisa, um outro fenômeno.

Mesmo a profunda pesquisa de James Neill em seu livro “The Origins and Role of Same-Sex Relations in Human Societies”, fica evidente, que os raros casos em que a “união homossexual” era ritualizada, as intenções culturais eram diferentes daquelas do casamento.

Bem, apesar do fundamento biológico, o casamento tem um “telos” (um propósito) que transcende a dimensão e as pulsões biológicas (como vem asseverando Guilherme de Carvalho). Pois, sua função é criar uma estrutura moral básica tendo por fim a procriação e a formação da família (independente de eventuais fracassos). 

Pode-se alegar: “o casamento não é mais esta união com pretensões morais, por causa da possibilidade anulação quando o 'amor' (lê-se afeto) acaba.” Mas esta mudança de status do casamento (sua anulação por falta de 'amor') dá-se na instância civil, por causa de pressões oriundas das revoluções afetivas que remetem à reação romântica ao racionalismo no século XVIII, ao freudismo e as revoluções sexuais entre os anos 60-80. Mesmo biblicamente, há exceções extraordinárias, que permitem a anulação ou o divórcio.   Mas, novamente, isto em nada deveria comprometer o status histórico e/ou ontológico do casamento: seu fundamento biológico (união entre macho e fêmea) e sua finalidade moral (constituição da família)¹.  -- como Herman Dooyeweerd é útil aqui! -- 

A afirmação de que o “casamento não deve sua existência ao estado” não tem nenhuma tensão com o fato de o estado reconhecer o valor “civil” desta instituição (justamente para garantir os direitos civis inerentes a tal união).  Porém reduzir o sentido de casamento apenas ao caráter civil é cair em uma armadilha secular.  A pegadinha tem dado respaldo, inclusive, para o projeto da militância LGBT em instrumentalizar o poder público (no caso dos EUA, em particular, o poder judiciário) para dar um outro arranjo, definição e status ontológico para o casamento, diferente, daquela cultural e historicamente consagrada.

Veja como é bizarro: desde tempos inadatáveis o casamento se funda em uniões assimétricas (macho e fêmea) e um pacto moral. Porém, agora, em pleno século XXI, o estado moderno vai para além do reconhecimento civil e assume para si o poder de regular e redefinir o status ontológico do casamento. Este é um salto escandalosamente bizarro, uma ingerência pretensiosa, e está claro que é um tipo de abuso de estado.

Enfim, quero reafirmar que o que está em jogo não é uma luta fundamentalista pela defesa da família, mas uma luta por uma instituição que já se mostrou forte o suficiente para manter o tecido social mesmo em tempos em que o direito civil e o estado não existiam.  O casamento não é só pré-estatal é supra-estatal, mas caminhamos para o que Charles Taylor denomina de "atomismo social", um fenômeno típico em contextos de alta secularização.   Afirmamos a individualidade, a vontade subjetiva e enfraquecemos os vínculos comunitários. Por esta razão, é muito, mas muito estranho ver gente alegadamente cristã defendendo a secularização e a entrega do casamento e, consequentemente, da família ao "deus estado".

"Mas Igor, não vai citar nenhum versículo bíblico?" Não, hoje não.
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¹Claro que há pessoas casadas que nunca terão filhos, porém, como bem assevera Scruton, um casal sem filhos honra o status moral do casamento, mesmo sem tê-los.  
23 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

A Dúvida do Crente e a Fé do Cético

É verdade que crentes têm lá suas dúvidas de fé, mas também é verdade que ateístas têm lá suas dúvidas sobre seu ceticismo. 
 
Eu como crente, eventualmente, posso acordar com dúvidas inquietantes a respeito de minhas convicções religiosas. Mas não diminuirei a tensão tornando-me um cético ou ateu. Neste caso, posso acordar com sérias dúvidas a respeito de minha incredulidade. "Vai que o que crê esteja certo..." pensarei. 
 
Porém há uma diferença básica entre o crente e o cético: o primeiro crê, o segundo não quer crer, apesar da permanente inquietação para se crer em alguma coisa. No fundo, o cético vive torcendo para crer e encontrar algo digno de sua confiança. Por isso, testa e resiste a quase tudo, quase nos termos do empreendimento cartesiano de "dúvida sistemática". No fim das contas, ironicamente, é esta dúvida humana (presente no crente e no ateu) que mostra que a fé é radical e inescapável, seja em Deus, na razão, no estado, nas artes ou na ciência.

Não tem jeito gente, depois do naufrágio, todos querem se agarrar aos cacos do barco naufragado. Depois, podemos discutir se este é o jeito mais eficiente de sobreviver neste mar de desespero.

"Quem deseja fugir à incerteza da fé, há de experimentar a incerteza da descrença que, por sua vez, jamais conseguirá resolver sem sombra de dúvida a questão de se, por acaso, a fé não se cobre com a verdade. Somente na recusa revela-se a irrecusabilidade da fé." (Joseph Ratzinger em Introdução ao Cristianismo).
17 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

Pelo Sentido Próprio de Casamento

Por Igor Miguel

O casamento funda-se na união da diferença, uma experiência com raízes biológicas e com um fim moral, que exige um salto existencial (o homem conhecer a mulher e vice-versa) e alteridade radicais, enfatiza Roger Scruton[1]. Resultado? Família. O casamento e a família seriam instituições de produção de capital social e moral importantes para manter o tecido comunitário e evitar a atomização social. 

Considere a complexa dinâmica interdependente entre casamento e família: desejo biológico, atração bio-afetiva, pacto marital de responsabilidade mútua, conjunção carnal, alteridade social (homem e mulher), eventualmente concepção, paternidade, educação, formação moral, cognitiva e a socialização do descendente. Tal complexidade foi enfatizada pelo Rabino Jonathan Sacks em recente consulta ao Vaticano sobre a concepção judaica de família: “O que fez a família tradicional marcante foi um trabalho de alta arte religiosa, que conseguiu reunir: pulsão sexual, desejo físico, amizade, companheirismo, parceria emocional e amor, geração de filhos, sua proteção e cuidado, sua educação básica e a apropriação de uma história e uma identidade.”[2]

Se casamento é uma instituição que se projeta para a família, John Milbank[4] convoca a igreja (e por que não sinagogas e mesquitas?) a se erguer, reafirmando, fortalecendo e resguardando o sentido básico supracitado de casamento. E, este posicionamento não pode ser rotulado de homofóbico. Ao contrário, homofóbico seria inserir parceiros homoafetivos a uma instituição cuja dinâmica e natureza se constituem e dependem histórica e radicalmente da paridade biótica macho-fêmea.

O termo "casamento" não pode assumir nenhum outro sentido além ou aquém da conjunção marital, a unidade com a diferença e o fundamento da família, sendo esta a instituição responsável pela promoção de capital moral e social.  Ele não pode se transformar em mero contrato para parceria sexual definida por um projeto de "revolução afetiva", como enfatiza Guilherme de Carvalho.  Nos termos de Scruton: “o casamento deixou de ser um rito de passagem para outra e uma vida mais elevada, ao invés disso, se tornou uma espécie de carimbo burocrático com o qual se endossa nossas escolhas temporárias.”

Há uma sabedoria histórica e tradicionalmente acumulada que já demonstrou o poder social e cultural desta instituição mesmo onde o Estado sequer existia. Ressignificar ou relativizar o sentido de casamento seria ceder à pressão de uma hiper-valorização da subjetividade, uma espécie de hiper-individualismo, o que resultará em inevitável fragmentação de tudo aquilo que promove nosso senso básico de comunidade. 

Um adendo importante refere-se a anomalia que tem sido a instrumentalização do estado no sentido de ressignificar o conceito de casamento e família, como bem observa John Milbank: “há alguma coisa monstruosa sobre a afirmação do estado como tendo o poder legal para mudar a definição de uma realidade natural e cultural que historicamente precede a existência do estado em si.". O Estado não pode se valer de seu poder legal para mudar atribuições ontológicas de instituições que não dependem dele para existir.

Logra-se o “casamento gay” porque a instituição que chamamos “casamento”, fundada tradicionalmente em “uniões sexuais assimétricas”, foi minada com a desconstrução dos papéis e diferenças importantes entre homem e mulher. Como o filósofo James K.A. Smith chamou a atenção recentemente[4], desde os anos 60 nossa sociedade tem confundido a noção de uma justiça baseada na igualdade das diferenças por uma uma noção de justiça baseada na homogeneização e dissolvimento de todo tipo de diferença necessária. 

Enfim, com o enfraquecimento da alteridade radical presente no conceito tradicional de casamento compromete-se o que há de mais básico na experiência humana com a diversidade. Em outras palavras: corrói-se a forma mais germinal de toda abertura para qualquer outro tipo de diversidade em convívios humanos mais complexos. Militantes pela diversidade deveriam considerar isto com mais seriedade. O que está em pauta não é mera guerra semântica mas a tentativa intencional de mudar a atribuição de uma instituição que transcende afeições individuais e imposições estatais.

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15 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

Não consigo congregar! [áudio]



Está frustrado com a igreja?  Ama Jesus mas não consegue amar a Igreja?  Não confia mais na experiência comunitária?  Desistiu de congregar?  Está decepcionado com líderes abusivos ou irmãos?  Acha que não há igreja que presta?  

Escute: "Igreja e unidade: O triunfo da cruz sobre a inimizade."


[Baixe e escute este áudio]!


12 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

Não é provavél ser cristão

Não é difícil ser um homossexual cristão, ou melhor, não é difícil ser um cristão, é impossível (parafraseando Francis Schaeffer). Ser um cristão, independente da sexualidade é uma impossibilidade radical e de qualquer maneira. Por esta razão, o "ser cristão" funda-se em um evento extraordinário da graça de Deus. Se realiza em um ato de amor que procede da eternidade e atinge gente aos cacos. O cristianismo é extraordinário justamente por não ser uma probabilidade, mas um milagre. Não dá pra calcular e antecipar riscos no cristianismo, ele é simplesmente mortal, como no martírio cristão.
6 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

União e Comunhão Trinitária


Em seu livro Comunhão com o Deus Trino, John Owen (1616-1683) fez uma importante distinção entre união e comunhão com Deus. Tal discernimento tem implicações interessantes para a vida de um cristão.

A união com Deus é indissolúvel, funda-se na adoção e na obra justificadora de Deus em Cristo, e é operada pelo Espírito Santo. A união é unilateral, operada graciosamente, um ato absolutamente ativo da parte do Deus Trino e passivo da parte do homem. Porém, uma vez unidos, somos convocados a uma resposta graciosa: chamados a amar a Deus, porque o amor nos atingiu, ou seja, chamados à comunhão.

A comunhão depende de uma "mutualidade" (Owen).  Percebi uma similaridade do conceito com aquilo que Francis Schaeffer chamava de passividade-ativa e/ou atividade-passiva. A comunhão só é possível por causa da união. A união nos convoca à comunhão. Se oramos pouco, se somos tomados pelo tédio e sentimos um sensação de distância, e isto, nos inquieta, a inquietação é por causa da união.  Apesar de nosso amor frágil, a união com Cristo é um fato consumado e o amor de Deus por nós independe de nossa performance, afinal, Ele nos amou primeiro (I Jo 4:19). Por esta razão o Espírito Santo nos convoca à comunhão, para uma relação ativamente dependente da graça: oramos, nos arrependemos, meditamos, debruçamos sobre as Escrituras, nos expomos aos meios de graça, e assim, olhamos para a face de Cristo mais uma vez.

O cristão livre da condenação (Rm 8:1) pela união com Cristo, e sob a graça, entra em um pacto em que cultiva ativamente um crescente amor por Deus.  Amor que depende deste conhecimento que cresce na comunhão com o Deus Trino: Pai, Filho e Espírito Santo amam-se e nos amam antes de podermos fazê-lo. Somos introduzidos neste amor pela união e imediatamente convocados à comunhão. Chamados ao amor a Deus e ao próximo, reproduzindo aquilo que foi operado em nós providencialmente.

Enfim, no século XVII, John Owen conseguiu com maestria demonstrar que a comunhão com a Trindade é o coração da doutrina da santificação. Insisto, insisto e insisto: o melhor argumento a favor da Trindade não é sua 'metafísica', mas suas implicações espirituais e pastorais fundamentalmente bíblicas.  Esta foi a preocupação de Tertuliano, Atanásio, os Capadócios e Agostinho.  Logo, deveria ser a preocupação de todo cristão reconciliado com a Trindade.
3 de jun. de 2015 | By: @igorpensar

Explosão Reformada no Brasil

Excelente matéria sobre a explosão reformada no Brasil:

Segurem hereges e os que colocam um poste ídolo legalista ou liberal no lugar do Evangelho.

"Não tenho dúvida que estamos no meio de um florescimento do calvinismo no Brasil. É impressionante a quantidade de irmãos, especialmente de jovens, de todas as denominações históricas, pentecostais e neopentecostais (por mais incrível que isso signifique), que estão fascinados com os grandes temas da Reforma Protestante. Estão descobrindo Calvino, Lutero, Owen, Edwards, Spurgeon, Zwinglio, Kuiper, Lloyd – Jones e muitos, muitos outros grandes teólogos e escritores Reformados."  Leia mais aqui.