7 de dez. de 2009 | By: @igorpensar

Mais um golpe no deus Mamon!

Por Igor Miguel

Sob a perspectiva filosófica judaico-cristã, não se pode ignorar a santidade do trabalho. Diferente da percepção tomista medieval, o trabalho não é uma maldição, um efeito aterrador da queda sobre o homem. O trabalho existia antes do pecado de Adão e Eva. O texto bíblico diz que Deus colocou o homem no jardim para "cultivar" a terra. O termo hebraico usado para "cultivar" é leovdá [לעבדה], que é um verbo derivado do substantivo avodá [עבודה] que pode ser traduzido literalmente por "trabalho". Curiosamente, tal expressão ocorre também associada ao trabalho sacerdotal, pois de fato, o "culto" também era um tipo de "serviço".

O trabalho, no pensamento hebraico, também está ligado a ação ordenadora, de manutenção da criação. De alguma forma, o homem ao "trabalhar", cultuava seu Criador, pois ao projetar-se na criação, cultivando-a, refletia no mundo a imagem que herdara de seu Criador.

O trabalho, antes da queda, não era penoso, não era uma sujeição arbitrária e forçosa da "natureza", esperando dela algum benefício, não era uma atuação impositiva de poder e tecnologia, tendo em vista extrair da natureza bens duráveis ou alimento. Era uma gestão criativa em termos de "teo-mutua-sustentabilidade".

Os efeitos da queda sobre o trabalho são terríveis, pois a agradável permuta de criatividade entre homem e criação, torna-se uma ação penosa, dolorida e servil. O trabalho não é efeito do pecado, é parte da criação de Deus. O trabalho servil, sim, é a distorção do culto. O trabalho, após a queda, torna-se mecanismo de sustentação de uma existência humana pretensiosamente autônoma.

Os artífices, guerreiros, pecuaristas e músicos descendentes de Caim, são os homens da civilização, os tecnólogos. Criados pelo Diabo? Não, esse não cria, destrói. Criados por Deus, que soberanamente, faz uso dos efeitos da queda a seu favor. No pensamento judaico, há uma diferença entre "o mal moral" e este "impulso primitivo", esse
Yetser Ha-Rá (inclinação para o mal), que sem ele os homens não seriam comerciantes, não fariam sexo, não construiriam, não fariam arte, viveriam em eterna passividade, sem qualquer pretensão para além da letargia.

De alguma forma, esta "inclinação má" (não moralmente má), prestou um serviço que soberanamente Deus lançou mão para estabelecer o homem na cidade, tirando-o do jardim. Agora, na cidade dos homens, convivem santos e iníquos; idólatras e os amigos de Daniel. Na corte babilônica há os que se debruçam sobre as iguarias, e os que se negam comê-las. Lá no epicentro da corrupção e da altivez humana, há joelhos que não se dobram aos deuses.

Filósofos do início da modernidade, perceberam que há um impulso de auto-afirmação no homem. Adam Smith no século XVIII declara que o
auto-interesse dos homens poderia prestar um enorme serviço a favor da produção de "riquezas", com isso ele erguia a autonomia como uma virtude excelente, dando ao homem o que sempre desejara: a oportunidade de elevar-se como deus de si, senhor de posses, poderoso sobre a terra. Nasceria o individualismo.

Paralelamente, o mundo reformado e a civilização judaica, ambos dispersos pelo mundo, vendo novamente o mundo aberto, fundamentados na diligência e no mandato cultural, procuravam integrar sua espiritualidade em mundo posto, estabelecido pela recente revolução capitalista.

A diligência e a disciplina serão marcas indeléveis destes trabalhadores, criativos e engajados na transformação do mundo. Estes disciplinarão seu impulso criativo, redimindo-o, retomando a ideia bíblica, de trabalho como culto, como serviço para glorificar a Deus. Para estes homens estava claro, que o fim do trabalho não era a riqueza, mas a Glória de Deus.

Mais tarde, o secularismo se apropriaria da diligência judaico-cristã, arrancando a alma do trabalho, transformando-o em um culto obstinado pela "posse".

Entre os cristãos americanos, ainda aqueles pioneiros puritanos, havia uma ardente expectativa com a possibilidade de cultivar o novo mundo, transformando-o em um grande jardim de louvor. O impacto da ética puritana até hoje é sentido em território americano.

Mais tarde, já no avivamento encabeçado por Dwight L. Moody (1837-1899), ouvir-se-ão rumores de reuniões de orações em favor de negócios, do trabalho e pela vida financeira. Não podemos julgar a iniciativa de Moody, mas atitudes como essa, principalmente em círculos de predominância arminiana, prepararam o caminho para a tardia e idólatra teologia da prosperidade. Uma teologia conformada com o pressuposto capitalista, que associa a posse à realização humana.

E.W. Kenyon (1867-1948), admirador de D.L. Moody será o apóstolo da mentira, o criador dos ministérios "Word of Faith" (Palavra da Fé). Mais tarde, sob os auspícios do sr. Kenneth E. Hagin (1917-2003), leitor voraz dos livros de Kenyon, a teologia da prosperidade provocaria estragos incalculáveis. Do subúrbio de Tulsa em Oklahama, no
Rhema Bible Training Center (a partir de 1976), os "super-homens" e "pequenos deuses", arrasarão com a esperança simples do evangelho e com uma percepção integral da fé. Nestas escolas serão propaladas doutrinas de apropriação, de posse, de verbalizações esquizofrênicas, enriquecimento a qualquer custo, associadas a um pentecostalismo questionável.

O Brasil ignorará os pioneiros da fé, mesmo aqueles de origem pentecostal, que fizeram um importante trabalho na expansão da fé cristã-evangélica como Daniel Berg e Gunnar Vingren (início do séc. XX), ou o pioneirismo reformado realizado pela Igreja Congregacional que estabelecerá o primeiro templo evangélico em solo brasileiro (Igreja Fluminense). Ao importar o veneno idólatra dos EUA, ao tolerar o evangelho da "posse" ao invés do evangelho da "cruz", pavimentou-se o caminho para a autodestruição da Igreja Evangélica.

Se antes a Igreja Evangélica, por suas pretensões bíblicas, era questionadora, denunciadora da pobreza, da desigualdade, tornar-se-ia gradualmente meretriz do individualismo, da competitividade, da politicagem, prostituindo-se na cama dos poderosos, em orgias financeiras.

Não há um profeta? Não há um se quer? Certamente resta um remanescente que não dobrou seus joelhos a Baal. Mas, estão marginalizados, esmagados, na periferia da "Igreja Oficial", são os hereges, rebeldes e subversivos. Ainda há, pastores, pregadores e líderes, apegados a cruz, que não venderam seu sacerdócio por qualquer migalha. Porém, quase não aparecem, seus nomes, eles não estão associados aos poderosos, estão na cruz, e a cruz é sempre um escândalo.

Minha prospecção: com o recorrente questionamento e a exigência dos "membros" de comunidades evangélicas, os arautos de
Mamon (o deus da riqueza) tombarão, tropeçarão em sua ambição. Então ouviremos novamente músicas inspiradas, orações sinceras, generosidade, criatividade e submissão ao absoluto governo de Cristo sobre todos os aspectos da vida humana. Pois o Rei Jesus foi à cruz, para a Glória do Pai e o terror dos poderosos!

5 comentários:

Eric disse...

Excelente, meu irmão.

@igorpensar disse...

Obrigado Eric, por sua presença constante por aqui.

Anônimo disse...

Muito bom!!!

Seus comentários têm nos bençoado de uma forma maravilhiosa.

Vitor Hugo

@igorpensar disse...

Vitor, obrigado por sua presença por aqui. Que o Verbo de Deus que se fez carne, nos ajude rumo a uma vida cristã digna e de acordo com a graça e a justiça de Deus.

Anônimo disse...

Excelente material..

Já abençoei meus irmãos com este texto tb..

Abs,