24 de nov. de 2009 | By: @igorpensar

Espiritualidade e Dinheiro

Por Igor Miguel

Em um mundo em que o poder financeiro é um ídolo, para uma pessoa que queira manter sua espiritualidade integrada com seu estilo de vida, é fundamental fazer uso de alguns princípios. Diferente do que muitos podem imaginar, não vou escrever sobre 10 passos para ficar milionário, 7 princípios para acumular tesouros ou 666 dólares para virar uma besta quadrada. O que proponho neste breve post é expor alguns princípios éticos, que pessoalmente adoto, para lidar com a dimensão financeira da vida sem tornar o "dinheiro" e o "consumo" ídolos.

Antes de tudo, digo princípios, pois diferente do que comumente ouve-se, o salvo procura uma vida de justiça, não para se justificar, pois a justificação dá-se pelos vínculos de fé com Cristo, e a salvação é exclusivamente por graça. Neste sentido, a teologia reformada é muito elucidativa.

Porém, o salvo continua no mundo e em constante conflito com os ídolos de seu tempo, sendo assim, a experiência da salvação traduz-se em missão ou na linguagem paulino-reformada, vocação.

A ideia de vocação tem raízes no "chamamento" de Israel, a teologia de Paulo é derivada de uma tradição anterior. A presença de uma nação livre da escravidão (Egito), envolveria algum tipo missão. A libertação não é só "de", mas principalmente "para". Este "para" fala de um "fim", de um "propósito", ou em grego um "télos".

A salvação é pela graça, mas a atuação do salvo, seu papel vocacional, envolve tornar-se "servo da justiça" (Rm 6), o que significa que a atuação do vocacionado pode ser iluminada pela lei, daí o conceito de teonomia* tão propalado por teólogos reformados, que pode ser definido como:

[...] Teonomia é a legislação inspirada por Deus, estabelecida em sua soberana lei da criação... A peculiaridade do Calvinismo é a ideia de que Deus é Senhor e o legislador de todos os homens. Esta ideia pode ser encontrada em Calvino, em sua percepção da vida cristã, quando disse: "nós somos propriedades de Deus, e não somos proprietários de nós mesmo", e "deixe a Sua vontade, então, ser a influência fundamental sobre todos os nossos atos"[...]**

O homem precisa abordar as coisas e o seres da criação segundo princípios da soberania de Deus. Uma relação desorientada, pode conduzi-lo a uma experiência de "apropriação" que é idólatra. A lei regula a relação do salvo com o mundo criado, ela evita o ascetismo, que priva o homem dos desafios das bençãos do mundo criado, mas também, o protege de um apego idólatra. A lei deixa claro, quem é criatura, criação e quem é o Criador. Este é um princípio ético do calvinismo muito próximo da abordagem dos judeus chassídicos da Europa no século XVII.

Então quais princípios "teonômicos" podem ser aplicados na relação do salvo com o dinheiro?

Segue uma sugestão, são princípios que me orientam neste sentido:

1) O dinheiro não pode se tornar um ídolo, Mamom não pode ter primazia sobre Cristo;
2) O dinheiro é meio e não fim;
3) O dinheiro deve prestar um serviço à vida humana e não um de-serviço, o que significa que brigas, discórdias, avareza e outros, não podem existir na vida de um cristão, se isso acontecer, o dinheiro é um ídolo a ser quebrado;
4) Imagine-se sem dinheiro, imagine-se lesado, se isto lhe causa algum desespero, ou passa pela cabeça abandonar a Deus por causa disso, o dinheiro é um ídolo, quebre-o;
5) Não é o dinheiro que te sustenta, mas Deus. Ele o fará como quiser, com dinheiro, com maná, com trabalho, como ele quiser.
6) Meu sustento não vem do meu trabalho, vem de Deus, que pode usar o trabalho para este fim;
7) Trabalhe porque é mandamento trabalhar, o trabalho é um culto, sendo assim o faça com diligência, criatividade e dedicação, o que vem não é resultado do trabalho, mas é graça de Deus. É mandamento "seis dias trabalharás"!
8) Não lide com o dinheiro como proprietário, mas como "gestor", "administrador", faça uso inteligente, mas lembre-se que a relação de "posse" é idólatra, o princípio bíblico é de "hospitalidade", tudo que desfrutamos de Deus é por "graça", a graça do anfitrião;
9) Não se encante com os produtos na vitrine, use roupas simples, compre um carro popular, ande de bicicleta, compre uma casa simples. Crie um equilíbrio entre "dignidade" e "modéstia". É possível viver uma vida de qualidade, com um bom café da manhã, sem ter o melhor carro, a melhor casa, etc. Economize!
10) Doe, seja generoso, doe sem limites. Dê o quanto o Senhor o mover para isso.

Esses são princípios que procuro viver, que regulam meu comportamento e minha forma de ver o mundo e as riquezas. Há outros princípios secundários, mas sem dúvida, se você elaborar uma lista de princípios você será iluminado com a "lei da liberdade" e não com a "autonomia" vendida pelo ocidente. Somente o salvo em Cristo pode desfrutar da liberdade da lei. Esses princípios poderiam ser recheados de referências bíblicas, mas nascem de um ethos judaico-cristão, de uma cosmovisão fundamentalmente monoteísta.
_____________
* Teonomia: Do grego theos (Deus) + nomos (lei).
** Geesink, William (1931) (in Dutch). Gereformeerde ethiek. Kampen. p. (pages unknown).

6 comentários:

Roberto Vargas Jr. disse...

Igor,
Excelente artigo. Gostei muito e vou novamente reproduzir um artigo seu lá no meu blog, com a sua licença!
Tudo o que você diz, mas em especial o ponto 8, é o que chamamos na teologia reformada de "mordomia".
No amor do Eterno,
Roberto

Ana Laura disse...

Excelente! enviei o link para vários amigos!

em YESHUA,

AL

Daniel Ben Iossef disse...

Muito bom, Igor!

Como já mencionado acima, irei reprouzir também no meu blog!

Shalom u`vrachot

Daniel

@igorpensar disse...

Obrigado Daniel...

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Chique demais Igor...

Pena que nossa sociedade conspira contra essas instruções vivificantes. Somos, como crentes, querendo ou não reflexos deste modo de ver os bens e dinheiro que possuimos. Precisamos batalhar contra isso, hoje, a cada dia. Isso é muito claro quando se vê, por exemplo, as compainhas mundiais, nacionais, locais, do micro-empresário, investidor... cujas bases estão nas disputas de mercado e na circulação de milhares e milhões em quantias monetárias "pulverizadas" e "virtuais" nas bolsas de valores das principais cidades do mundo. Eis templos a Mamon, repletos de histería e estresse ritualísticos desta religião chamada "Capitalismo"... não só estes, mas outros templos a Mamon, em cujos interiores talvez tenhamos altares a ídolos sem sabermos que temos.

Fica na paz de Deus!