20 de ago. de 2011 | By: @igorpensar

Tempo Integral

Por Igor Miguel

Aprouve a Deus colocar suas criaturas em mundo marcado pelo tempo.  As referências do envelhecimento, do movimento do sol e dos eventos são testemunhas de que o tempo passa.   Para não se perder na jornada, as pessoas criaram memoriais, registros escritos, impressões em cavernas e calendários.  Inventaram também a história, uma ciência da memória, que tenta organizar, registrar e interpretar os rastros da humanidade no tempo.


Em algum sentido, este ser humano é feito no tempo e projeta-se na história.  A pressão do tempo e dos que vivem com ele ali e antes daquele momento, permanecem, e ele é construído em resistência ou complacência a esta pressão, este homem do/no tempo.
"Noé, porém, achou graça aos olhos do SENHOR.  Esta é a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre seus contemporâneos; Noé andava com Deus." (Gn 6:8-9).
Contemporâneos?  O termo "contemporâneo" tem o sentido de "mesmo tempo".  Noé não era "justo" e "íntegro" simplesmente.  Ele o era entre os de seu tempo.  Noé não era um retirante, um sacerdote em fuga ou um religioso segregado.  Ele era um homem no tempo, na história.  Noé nasceu naquele tempo, naquela ocasião, naquela cultura, entretanto, o que o fazia distinto?

Este trecho de Gênesis é antecipado pela descrição do tempo de Noé: violência, desordem moral e social, todo tipo de caos de tamanho comprometimento, que o próprio Deus, insatisfeito sobre tais circunstâncias, se volta com indignação a sua criação.

Mas... Noé achou graça, bendita graça.  Observe que a história de Noé só começa depois que ele "achou graça aos olhos de Deus", curioso não?  Sim, não há história sem a graça.  A graça conecta o homem em uma linhagem, a uma tradição de justos no tempo.  Mesmo no tempo, este homem escolhido não absorve seu tempo ingenuamente.  Ele resiste a linguagem predominante e não se curva à obscuridade.   

Sem a graça não há história significativa, ou memória, apenas um permanente "deixa a vida me levar, vida leva eu".  Por isso, somente quando se acha a "graça", se é tirado do "curso deste século", como foi dito pelo apóstolo:
E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. (Ef 2:1 e 2)
Noé foi colocado justo e íntegro no tempo.  Justiça não é apenas retidão moral.  No original, tsédek צדק, também pode ser entendido por "retidão" ou "posição correta".  Noé foi colocado lá, no lugar original.  Naquele lugar que Adão tivera abandonado, lugar vazio, que fez Deus perguntar: Onde estás?   Agora, pela graça, lá está Noé, reposicionado, dentro do palco, no papel planejado, por isso, não só homem no tempo, mas homem na história, com uma história.  Deus reapresentou o jardim a Noé.
Remindo o tempo; porquanto os dias são maus.  (Ef 5:16)
Mas, para cumprir a história no "tempo", não basta se encontrar na posição determinada. É importante integridade, ou no texto original: tamim תמים.  Sim, é necessário "inteireza", "completude" e "integralidade".  Curiosamente, em algumas versões, esta palavra é traduzida como "perfeição".  Talvez, o leitor despreparado, possa ler "perfeição" em um sentido quase platônico e idealizado de inerrabilidade.  Mas, de fato, o que está em jogo aqui, não é apenas "integridade moral", mas "integridade existencial".   Noé era um homem "inteiro" e "integral", no sentido que, não havia nenhum "centímetro" de sua existência que não fosse da competência de Deus.  A existência de Noé não era fragmentada pelo tempo ou reduzida a qualquer aspecto do mundo de Deus.  De modo algum!  Subtende-se que Noé possuía sua vida completamente rendida sob o governo de Deus.

Se a graça justificou e restaurou Noé, ela também desencadeou um processo pedagógico, um culto. Afinal, "Noé andava com Deus".

A graça é justificadora, restauradora, mas também, educadora.  Ela inaugura uma trajetória, uma jornada com Deus.  Andar com Deus é viver uma rotina orientada por uma vida em Deus.  Costumeiramente, o homem é levado a pensar, que quanto mais sutil e rotineira sua atividade diária, seu trabalho, menos implicações espirituais aquilo tem em Deus.  O problema é que grande parte de nosso tempo, envolve exatamente este tipo de atividade.  

Certamente, quanto mais atenção for dedicada a esta nova dinâmica existencial que a graça inaugura, mais perceptível será que é exatamente no que se chama de "insignificante" e "irrelevante", que Cristo deseja instaurar o seu trono.

Jesus é justificador, restaurador, mas também educador.  Sua salvação inaugura uma história específica em cada ser alcançado.  Desencadeia processos no tempo e desígnios que envolvem a glória de Deus.  Jesus, por graça, entra na rotina e chama.  Como fez com seus discípulos.  Ele não queria homens absorvidos pelo tempo, mas queria que eles vivessem no tempo, e simultaneamente, conectados existencialmente com os planos eternos de Deus.  Somente, uma vez conectados com a eternidade, os discípulos entraram na história.

A graça de Cristo faz isso: livra o homem do caos desta geração, da desordem moral, da justa ira de Deus e do príncipe deste século. Para enfim, colocar o homem em retidão, integralmente submisso e caminhando, em uma jornada ao lado do mestre.  Somente assim, o homem livra-se da tirania do tempo, sem fugir dele.  Somente assim, cumpre ele uma tarefa significativa e relevante entre seus contemporâneos.

1 comentários:

Daniella Teixeira disse...

Olá Maninho,

Só pra falar + um pouquinho de Noé:
"Noé era um homem justo e bom, ele andava com Deus. Um homem legal, muito especial, ele andava com Deus..."
Aprendi com a Ana Luísa.

Saudades,
Daniella.