Por Igor Miguel

Neste sentido, penso que a cosmovisão bíblica é novamente elucidativa. A teologia monoteísta não é individualista e nem coletivista, ela é comunitária. O comunitarismo, pressupõe que indivíduos são respeitados em sua identidade e integridade pessoal, sem que esta "individualidade", o desconecte da consciência e do senso de pertencimento a uma comunidade. O individualismo moderno propõe um retorno do sujeito para dentro de si. O direito não é voltado para o outro, mas para o direito do indivíduo. O outro não é o outro-ser, é o outro-individualmente, como mônada, e não como um ser conectado em uma rede de interdependência e parceria.
O que se vive em um mundo individualista é uma guerra de semi-deuses, uma guerra agonística entre indivíduos que se afirmam poderosos. O agonismo pode ser definido como:
... todo corpo específico aspira a tornar-se totalmente senhor do espaço e a estender sua força (sua vontade de poder), a repelir tudo o que resiste a sua expansão. Mas incessantemente choca-se com as aspirações semelhantes de outros corpos e termina por arranjar-se (“combinar-se”) com os que lhe são suficientemente homogêneos: então conspiram juntamente para conquista a potência. (Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe - Obras reunidas. Edição crítica (1980) - XIII,14[186]).Agonismo é a guerra pelo poder e a modernidade fundamenta-se basicamente por esta lógica. Quando olhamos ao nosso redor ou vemos televisão, ouvimos frases ou expressões como: "competitividade", "você consegue", "você é o melhor", "faça o melhor", "tenha sucesso" e outros. Os produtos por trás desta propaganda, tornam-se objetos de desejo, pois estão ligados a uma filosofia do "poder".
Tudo na sociedade moderna depende de "corpos" que se afirmam ou procuram se afirmar sobre os outros. Lembro-me do jogo que brincava quando era criança, chamado "Quem é o chefe?", em que um grupo de crianças disputavam o topo de um monte de areia lavada. O objetivo era permanecer no pico do monte o maior tempo possível, enquanto os outros tentavam derrubá-lo de lá. Interessante, que os que estavam embaixo se articulavam para derrubar o chefe, e quando o faziam, brigavam entre si, para ver quem ficaria no pico do monte de areia. Isto ilustra a ideia de agonismo, de guerra de deuses, do neopaganismo que estamos inseridos.
A lógica é simples. Somos individualistas, doentes em nos tornarmos chefes de determinada esfera de poder. Para nos mantermos ou alcançarmos esta condição de "poder", fazemos alianças, firmamos parcerias, para alcançarmos o status desejado. As pessoas, com quem nos aliançamos são "objetos", "seres instrumentos", que só nos servem até o momento que prestam um serviço aos nossos interesses. Depois, que a posição ou determinado fim é alcançado, rapidamente esta pessoa torna-se descartável. Neste ínterim, há elogios, sorrisos, abraços, homenagens, tudo com um fim, tornar aquela pessoa "meio". Falsas demonstrações de apreço é o cúmulo da instrumentalização da afetividade. Cruel não?
Agonismo é neopaganismo, é trazer o mito da guerra dos deuses à vida humana. É a institucionalização do Olimpo. A lógica de que a briga dos deuses afeta a vida humana. Quem são os deuses ou os pretensos deuses? Nós todos que amamos a competitividade e a altivez.
Qual seria a resposta cristã a um mundo "olímpico"?
A percepção judaico-cristã não é contra o poder. O poder serve para prestar um serviço ao gênero humano. Porém, este poder é legislado por um princípio ético, de que os mais "agraciados" (aqui está a ideia reformada de graça comum) tornam-se instrumentos de justiça para os menos agraciados. O rico neste sentido, tem uma responsabilidade moral com o mais pobre. Os poderosos têm uma responsabilidade ética com os menos poderosos. O poder, neste sentido, não volta para o poderoso, nos termos de Ben Parker (tio de Petter Parker - homem aranha), "grandes poderes exigem grandes responsabilidades". Neste ponto entra a resposta judaico-cristã ao agonismo moderno: A MODÉSTIA.
Modéstia é uma virtude, uma resposta ética, que afirma um gestor soberano do poder: Deus. Deus é o Senhor que distribui autoridade na criação, Ele o faz, para que este "poder" (graça) se distribua de forma a dignificar a criação. Mas, o desejo primevo humano de ser como Deus, quebra a lógica de justiça, de que o poder não flui de homens autônomos, mas de um Deus soberano.
Por isso, o livro da Torá (Deuteronômio 17) quando legisla a realeza, afirma que o rei de Israel, deveria fazer uma cópia de próprio punho da lei, para deixar claro que a soberania do Rei é relativa à soberania de Deus. Todos nós prestaremos contas a Deus do uso que fizemos do poder que nos foi outorgado.
A melhor resposta à lógica de poder é a kenósis, sim, o esvaziamento, o exemplo de Jesus. Que possamos seguir o conselho de Paulo:
"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou [kenósis], assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz." (Carta de Paulo aos Filipenses 2:5-8)
O homem deseja um poder que não lhe é de direito, enquanto Jesus, renunciou um poder que lhe era por natureza. Que exemplo Jesus nos deixa?