Por Igor Miguel
Encontrei uma pérola, um trecho da obra "O Mal-Estar da Pós-Modernidade" de Zygmunt Bauman. Em específico, leio o capítulo intitulado "Religião Pós-Moderna?", cujo trecho cito e tento explicar logo a seguir:
"Sugiro que, em grande parte, a mais importante das realizações da rotina diária é precisamente cortar as tarefas da vida conforme o tamanho da auto-suficiência humana. Tanto quanto a rotina pode continuar não-perturbada, oferece pouca oportunidade para se ruminar sobre as causas e finalidades do universo; os limites da auto-suficiência humana podem ser mantidos fora de foco." (BAUMAN, 1998, p.209-210).
Para a compreensão desse texto é necessário entender basicamente "o que é a modernidade". A modernidade se caracteriza basicamente pela ênfase na autonomia (auto-suficiência) e liberdade do homem; também pelo racionalismo, o controle e a técnica. O homem moderno é aquele que preza pela privacidade e os direitos individuais, pela propriedade privada e pelo controle lógico de tudo.

Basicamente é sobre essa "falsa liberdade" que postula Bauman: o homem precisa 'cortar as tarefas da vida conforme o tamanho de sua auto-suficiência'. Em outras palavras: como o homem moderno não tem liberdade para ir além das paredes de sua vida privada e não se sentir ameaçado, ele faz uma gaiola, um cubículo, um universo restrito, onde ele pode exercer a ilusão de liberdade. E, ao se entreter com esta "vida privada" e este reino entre quatro paredes, ele se aliena. Enquanto esta rotina estiver "sob controle", enquanto ele acha que vive em um mundo domesticado, ele nunca vai se preocupar com as questões e os problemas de verdade.
Uma vez que se vive nesta "liberdade privada", literalmente na "caverna" que os gregos denunciaram, no sofisma de uma falsa verdade, pouca oportunidade haverá "para se ruminar sobre as causas e finalidades do universo". Permita-me: ter-se-á pouco tempo para pensar em Deus, espiritualidade, religião, ética, comunidade, responsabilidade política e existencial.
A auto-suficiência tem limites e quanto mais eles são testados, mais provocatividade encontra-se nas perguntas: de onde viemos? Para onde vamos?

Com relativa frequência vejo cristãos que não conseguem mais encontrar na Igreja Local um lugar para culto. Que estão tão acostumados a viverem uma vida "anestesiada", que estão com medo de se arriscarem no amor e nas tensões inerentes à vida comunitária. De novo, me utilizo de um dos apaixonantes conselhos de Dietrich Bonhoeffer:
"Jesus Cristo é o que fundamenta a necessidade de que os crentes tem uns dos outros; [...] só Jesus Cristo torna possível sua comunhão, e finalmente, que Jesus Cristo nos elegeu desde a eternidade para nos acolhamos durante nossa vida e nos mantenhamos unidos para sempre." (Dietrich Bonhoeffer)
Enfim, fica aí o desafio de não vivermos uma vida amestrada, e consequentemente nos tornarmos amestrados por seus apetrechos. O desafio para deixar esta zona de conforto alienante seria desfrutar da exposição da vida pessoal na experiência comunitária, com seus afetos e desafetos. A vida da comunidade cristã não preserva o corpo, parte o corpo, e fazemos isso em memória de Jesus, que se expôs publicamente em nosso favor, nos oferecendo pão e vinho gratuitamente.
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BAUMAN, Z. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.