17 de fev. de 2009 | By: @igorpensar

Existe Vida Além de Vênus!

Por Igor Miguel

Já escrevi por aqui sobre como somos intérpretes do mundo e como nos deparamos com códigos culturais e valores; como lidamos com o mundo e os fenômenos a nosso redor a partir de valores que possuímos. Neste aspecto, pode-se dizer que aquilo que amamos, valorizamos e imaginamos tem grande peso sobre nosso comportamento. A doutrinação não é negativa per si, na verdade não temos muito como escapar disso. Todos os homens se comportam a partir de um ethos ἦθος, que se interpõe entre eles e o mundo.

Fui um jovem que cresceu em um lar diferente. Meus pais nunca se casaram formalmente, meu pai nunca foi um homem de valores religiosos muito bem estabelecidos e minha mãe, ao contrário, sempre foi muito ética, sua criação rigorosa e os sofrimentos que encarou na vida lhe ensinaram que a melhor forma de sobreviver no mundo dos anos 70 era enraizar sua vida pessoal naqueles valores e velhos conselhos de sua mãe.

Tenho 29 anos [este texto foi escrito em 2009], nasci no final dos anos 70, sobrevivi a era dos abortos como Moisés. Sobrevivi à subversão cultural da década de 80 e os esvaziamento das mentes adolescentes da década de 90. Tive vários amigos que se perderam no caminho e graças a um aparente fundamentalismo religioso, fui arrancado do encantamento e do entorpecimento viciante da tríade: sexo, vício e violência. Claro, não podia me esquecer, de alguma forma isso me libertou da alienação intelectual e cultural que estava inserido por ignorar o mundo ao meu redor.

Hoje, aprendo a viver e a desfrutar daqueles velhos valores que nunca deveriam ter acabado. Como é bom ser casado, ter uma esposa, [agora filhos], tomar um bom café-da-manhã, trabalhar, conviver com pessoas agradáveis, divertidas e inteligentes e o mais interessante, descobrir que a vida não é só sexo e dinheiro.

O divórcio é uma estatística da maioria, mas eu tenho o direito de não pertencer à estatística. Aquilo que acontece com a maioria não precisa ser necessariamente o que vai acontecer comigo. Não acho que sexo e dinheiro sejam fundamentais para minha existência. De fato, são periféricos. Tenho meus demônios pessoais, luto diariamente para vencê-los, mas sou livre! Optei pelo casamento clássico, planejo ter filhos, não estudo engenharia, tampouco medicina e não quero ser advogado, sem desprezar, obviamente, aqueles que assim o fizeram.

Pois bem, optei por viver uma vida de valores éticos-religiosos e acho que essa é a melhor opção. Não me considero fundamentalista, no sentido estrito do termo, apesar de possuir um personalidade radical em menor ou maior grau em alguns aspectos da vida. Mas, qual é o problema? De alguma maneira, um agnóstico é tão crente em sua descrença quanto um fundamentalista religioso. Um ateu é tão convicto da não existência de Deus como qualquer teísta crédulo. Não haveria nisso um "q" de radicalidade?

Não acredito em neutralidade ideológica e tampouco religiosa, como qualquer pessoa com um pouco de senso filosófico. Por isso, procuro compreender o mundo inescrupulosamente a partir de meus valores, que considero libertadores, por isso os exponho aqui, na espera de que outros possam encontrar algum alívio como eu encontrei.

Quando vemos a televisão tudo se resume em dinheiro e sexo, a mesma coisa acontece nas conversas sociais, nas revistas, nos jornais, na internet e nos diversos segmentos sociais, o discurso é: estabilidade financeira e desempenho sexual. Ora, desculpe-me, mas será que não existe vida além de Vênus? Será que estes são os únicos aspectos da vida?

Vênus - o planeta - era conhecido desde a época do império babilônico. Prova disso é um velho achado arqueológico conhecido como Tábua de Vênus de Ammisaduqa (4 d.C.). No referido achado, o planeta Vênus era conhecido como Ishtar. Esse era o nome da deusa da mitologia assírio-babilônica associada ao amor, a fertilidade e ao erotismo. O mito de Ishtar tem raízes na deusa suméria Innana, também conhecida como "rainha dos céus". Não por menos, a deusa do mito greco-romano associada às questões sexuais é Vênus, também conhecida em sua forma grega por Afrodite. Os cultos afrodisíaco, com sacerdotisas sexuais, eram bem conhecidos em Atenas e Corinto.

Vênus/Afrodite é esta atmosfera cultural em que as pessoas respiram o sexo e encontram nele um rito, um culto ao corpo e ao prazer. Os cultos de fertilidade eram, obviamente, muito populares e de certa forma, o sexo é algo que está muito próximo da devoção espiritual.

Há algo de religioso na sensualidade, talvez, isto explique como facilmente há um movimento pela divinização do erotismo, um tipo de "sexolatria". Por outro lado, está posto o desafio pela redenção da sexualidade e do prazer aos limites da liberdade proposta pelos valores éticos, antes considerados obsoletos, ou digamos, até o momento deslocados da direção que o mundo está tomando.

A explicitação do erótico vai contra a sacralidade de um ato tão belo, tão profético e harmonioso como o sexo. O encontro, a troca, o toque e a intimidade são elementos de um mistério de ordem espiritual profunda, de uma expressividade estética assombrosa, que precisa ser sujeita a princípios que o proteja. A banalização do sexo, sua predominância e o exibicionismo que gira em torno da temática, são de uma violência desconfortante, um ato de vulgaridade que rouba a santidade de um ato tão incrível.

Todo momento em que a civilização procura priorizar certos aspectos da realidade sobre outros, ela comete suicídio cultural. Fazer a vida girar em torno de uma dádiva do Criador, é como permanecer cativo na caverna, enquanto há também tanta riqueza e beleza em um momento de oração, na arte, na música, no comer, na prática de um esporte, há tanta sensibilidade na modéstia e na natureza.

O discurso de sucesso sexual associado ao quantum de sexo é um mito centralizador e reducionista. Deve-se pensar em sucesso existencial em que o sexo, a estética, a política, a arte, a economia, a educação e outros dons de Deus prestam um enorme serviço para que o homem possa refletir uma realidade mais profunda e significativa à sua própria identidade e presença na história.

Qual era a intenção por traz da orientação bíblica de que os casais israelitas deveriam se manter distantes sexualmente durante o período menstrual? Esse período, já diria um famoso rabino, seria de grande importância para a mulher. Na ocasião ela se ausenta dos filhos, do marido e da família e vive um tempo independente. Após esse período, obviamente, o próximo encontro íntimo deste casal seria de uma intensidade tão poderosa, que o ato amoroso poderia ser traduzido em termos como da primeira vez... Sinceramente, existe vida além do sexo.

Há uma explicação da psicologia evolucionária que em um passado distante, os homens não mantinham relações sexuais com suas esposas na lua-cheia, pois era o período em que a noite era iluminada e os homens aproveitavam para ir à caça à noite. Biologicamente, neste período as mulheres ficavam menstruadas em um ciclo de aproximadamente 7 dias (período da lua cheia até a minguante).

Durante esses dias de caça, o homem descobria a natureza, tinha contato com o mundo exterior, conhecia os riscos da aventura, a devoção ao desconhecido e o assombro. Se tornava livre, aberto às possibilidades e descobria enfim a arte de viver. Sabia que seria honrado por sua esposa e filhos se trouxesse o alimento para casa, quando, enfim, seria recebido como herói, digno de sua humanidade.

O homem moderno esqueceu a aventura, a liberdade, a simplicidade da vida e que a rotina é uma grande expressão daquilo que somos: simplesmente humanos.

A erotização do mundo está na contra-mão desses valores. O mundo é mais do que sexo e o sexo é muito mais do que pensam. O desejo de estar ligado ao outro, expressa o desejo de estar ligado a Deus, de rever vínculos rompidos. Algo se rompeu na história, se desligou e religare (religião em latim) é uma exigência para que a vida volte a ter sentido, para que, enfim, o homem se complete.

A modéstia e a vida simples podem evidenciar que o som do vento nas folhas das árvores é de uma riqueza incomensurável, que acordar e olhar sua esposa dormindo como um anjo é como um toque nos domínios de Deus. Não precisamos de nada mais intenso do que a intensidade das coisas simples.

Enfim, é no alvorecer de um novo tempo que raiou com o Cristo ressuscitado, que a vida no tempo presente assume conotação transcendente, e que aspira, por um horizonte de renovação de todas as coisas. A esperança pela eternidade presentifica a graça de corações capturados a um bem maior e por isso podem ser gratos pelos bens menores que foram dados como antegostos do que virá. Uma vida para além de qualquer astro criado. Uma vida além de Vênus.

11 comentários:

Anônimo disse...

Você prende as pessoas aqui, rs.Incrível.

Anônimo disse...

Gosto de ler seus escritos.
Especialmente nesse, vc conseguiu enfatizar aquilo que eu penso e sinto, porém não conseguia explicar. Acendeu uma luz dentro de mim. Hoje sei que um relacionamento afetivo, p ser mais limitada, é muito maior do que sexo. Qndo estamos com alguém que sentimos prazer, podemos fazer mil coisas, sem sexo. Porém, os indivíduos estão imersos em um mundo que não é possível sem sexo. Então eu penso: não ligo a mínima, eu vou encontrar aquele q está na mesma sintonia q eu.
P vc ter uma idéia, outro dia perguntei a um amigão: "se vc gostasse muito de mim, sabendo q o nosso namoro não teria sexo, vc namoraria comigo?" Ele respondeu: " nem morto!!!".........
Mas como diz o Bono em uma canção: "A alma anseia por uma alma gêmea...Quando a alma quer... ela espera..."(U2-A man and a woman).

Jerusa Lucasas disse...

Os seus textos tem me ajudado muito profissinalmente(psicologa)
e contribuido grandemente para o meu crescimento espiritual.
Que DEUS te abençoe e continue te dando esta unção e este dom maravilhoso.
um abraço e obrigado.
Jerusa Lucas

Thaís Santos disse...

puxa professor... que saudade!
ouvir as coisas que você tem a dizer abre a mente da gente.
gostaria muito de fazer mais aulas com você!
você é um homem de Deus.
Deus abençoe você e sua família.

@igorpensar disse...

Obrigado pessoal, visitem sempre o blog... acabei de postar um texto sobre "Espiritualidade na Cidade"... o desafio de vivermos em paz nos grandes centros....

Anônimo disse...

Maravilhoso.......como sempre...que D-us continue desenvolvendo este dom .. o dom de tocar a nossa alma com suas palavras....palavras de sabedoria que vem Dele....

@igorpensar disse...

Obrigado Nanda!

Fico feliz que vc anda lendo meus textos... Muito feliz mesmo!

Anônimo disse...

Parabens pelo ótimo artigo, Igor Miguel!
Vc tem sido um instrumento de DEUS para o corpo de Cristo.
A propósito, quando vai escrever um livro?Gostaria muito de ter um livro de sua autoria na minha biblioteca.

Abraço
Samuel

@igorpensar disse...

Pois é Samuel,

Quase publiquei um livro há alguns anos. Desisti justamente por cuidado, precisava amadurecer pontos teológicos que me parecem muito claros agora.

Mas, em breve sairá um por aí.

Um grande abraço,
Igor

Jonas Madureira disse...

Que post, Igor! Estou ainda tomando fôlego! Genial!

@igorpensar disse...

Obrigado meu brother! Que bom que gostou... fico feliz.