6 de set. de 2012 | By: @igorpensar

Fé Viril e Corajosa

  Por Igor Miguel

No mínimo, eu seria redundante em lembrar como nossa vida moderna é cansativa. Desperdício de palavras. A aflição, cansaço e angústia estão aí, na dureza de nossa presença no mundo. Sem mencionar, a intolerância generalizada, a brutalidade e os egos derramados atrás de suas máquinas de deslocar, vulgo automóveis. Testemunho de uma selvageria desvairada, uma perda de humanidade, um exoesqueleto metálico sem coração, me apavora as máquinas, e não me refiro aquelas com motor, mas aqueles sem epiderme.

Me cansa esta conversa de que os homens são bons, especialmente pobres, índios e minorias. Me cansa esta ingenuidade e este mascaramento da desvirtude.  Acredito em verdade universal, e se tem uma verdade que não é relativa, não é que os homens sejam em essência iguais em suas virtudes, mas iguais em sua depravação e corrupção moral. Basta colocá-los no poder, diante de um artefato que lhes dá relativa liberdade, e pronto, verás a face mais sombria destes “anjos” caídos.

Índios não vivem em harmonia com a natureza por amá-la, mas por temê-la, se tivessem instrumentos para devastá-la e dominá-la o teriam feito. Como alguns o fazem em garimpos, na pecuária e no desmatamento predatório. Índios, pobres, negros, brancos, burgueses, judeus e gentios, estão todos sob o Pecado.  E uso com “p” maiúsculo intencionalmente. Não estou disposto a negociar sua vergonha e a minha.
 “Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar? Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem.” (Jo 19:10-11)
Só não praticamos o genocídio e não apertamos o botão vermelho e destruímos cidades com alguns megatons, porque não temos poder para isto. Porque Deus – digo explicitamente – aquele que governa sobre o caos, não nos deu atribuições para levar nossos desejos secretos até às últimas consequências.  Esporadicamente, ele entrega alguns homens a sua própria vontade depravada, para revelar a nós todos o que somos de verdade.

O crime hediondo nos atormenta. Não conseguimos suportar a “não-humanidade”, o “não-gente”.  Não damos conta da exposição de nossa maldade, mesmo que ela se manifeste no “outro”.  Sentimos calafrios e nojo só de pensar que se alguma coisa nos soltar, se dermos um salto para além das coerções, nos tornaremos sociopatas. No final, todos vivemos algum tipo de anomalia, mesmo nas instâncias que a publicidade não alcança.

O cristianismo é uma religião viril e corajosa, pois não vem com o papo de que o homem é bom e tem recursos em si mesmo para se “auto-justificar”, nem mesmo o povo escolhido, os judeus, escapam de sua denúncia. Todos, indistintamente, estão sob a sem-vergonhice generalizada, logo precisam, carecem urgentemente que a mão de amor se dirija a eles, que os salve.

Minha dificuldade com uma filosofia pessimista é que polariza o problema, tirando-o do terreno da utopia messianista, lançando-o ao cinismo, sem o escrúpulo de lidar com a presença da beleza e a esperança. A narrativa cristã é realista e desconfiada a respeito dos potenciais humanos, ela diz descaradamente: ele não dá conta. Por outro lado, anuncia repetidamente, em tom homilético: venham leprosos, doentes e pecadores, e abracem o sacrifício. Reconheçam nas mãos perfuradas e na coroa de vergonha, a vitalidade e a certeza de uma vida saturada de amor.

O cristianismo é basicamente uma denúncia e um anúncio. A denúncia é a respeito do que há de menos humano: o pecado, a maldade. O anúncio é a respeito do o que há de mais humano: Cristo, o segundo Adão.
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma.” (Mt 11:28-29).

5 comentários:

maurilio disse...

Pura verdade irmão, se fizermos uma análise profunda da nossa existência, nua e crua, encontraremos um ser desprovido de graça. Miserável homem que sou, mais graças a Deus por nosso senhor Jesus Cristo.

Shalom,

Maurilio Appolonio.

Tiago Alves disse...

Fala Igor!

É interessante como nós evitamos encarar a queda como ela de fato é. Todo mundo tenta atenuar um pouco esta depravação completa.. uns clamam por um resquício de neutralidade moral aqui, outros ali.. Muitos pastores inclusive submetem seus discursos à censura humanista.. limitando a depravação humana à medida da aprovação da sua clientela.

A questão é que a profundidade da queda é que revela a dimensão da Graça!

Amenizar a corrupção humana é reduzir a necessidade do homem pelo favor divino. É apenas o homem orgulhoso tentando ser pelo menos um pouco independente de Deus..

Abração!

Tiago Alves


@igorpensar disse...

Olá Maurílio,

Exatamente isto. Sabemos o tamanho de nosso resgate pelo tamanho de nosso buraco e vice-versa. Não se dá um tratamento correto à generosidade de Deus quando se reconhece a condição comprometida do homem. Esta é gravidade de ensinos que sustentam que o homem ainda tem algum poder em si mesmo (sem a graça) para dar conta de sua condição espiritual.

Abraços!

@igorpensar disse...

Tiagão!

Adorei seu comentário, destaco este trecho: "Amenizar a corrupção humana é reduzir a necessidade do homem pelo favor divino. É apenas o homem orgulhoso tentando ser pelo menos um pouco independente de Deus..."

Muito bom!
Igor

leitor disse...

Oi Igor Graça e paz.

Venho algum tempo lendo e relendo o que você escreve, sou profundamente grato pelo seu esforço em manter uma produção intelectual disponível para além das anotações de caderno.

Ainda sou um iniciante e com isso vejo tantas outras nuances de uma teologia, que me foi negada ou estava escondida em algum canto (às vezes porque tinham preguiça do debate), que pode direcionar a uma cosmovisão a respeito da vida, de mim e do resto.

O que temo sinceramente e percebo é que em alguns momentos há uma convivência pacífica com outras ferramentas do conhecimento (filosofia, antropologia, sociologia, pedagogia e entre outras) e em outros momentos vejo uma necessidade de deslocamento ou separação abrupta.

Neste texto em si, gostei da perspectiva, mas confesso que numa primeira leitura ainda vejo um reducionismo a respeito da antropologia, do ethos humano. Há uma linha que nos torna todos pecadores, concordo com você e com Paulo, mas não posso concordar que haja um caos governável. Não na perspectiva divina. "Tudo que ele fez é bom".

Quem caiu fomos nós os humanos, não consigo imaginar a natureza, o cosmos todo contaminado pelo último ser criado.

Mesmo assim, caídos, fomos capazes de coisas maravilhosas. Deus concedeu esta graça após a queda ou simplesmente resolveu não tirá-la apesar da queda? Prefiro a segunda hipótese.

Por isso não há ninguém bom, mas ainda há pessoas capazes de fazer o bem. Isso está intrínseco na natureza do ser criado. É um atributo comunicado de Deus aos seres humanos não somente aos salvos.

é isso.