17 de abr. de 2013 | By: @igorpensar

Evangelho na Perifa

 Por Igor Miguel


Sou educador e lido com crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social todos os dias úteis há quase três anos.  Dentre muitas coisas que aprendemos sobre a periferia, como o tráfico, a violência, a pobreza e o abuso, também aprendemos sobre como a visão de Deus, a religião e a fé são temas muito presentes nestes contextos.

Todos que já trabalharam como voluntários ou educadores em comunidades deste perfil, já perceberam o número impressionante de crianças e adolescentes que se afirmam cristãos evangélicos.  Porém, algo que já percebia nas comunidades evangélicas de classe média, acabei encontrando, com um pouco mais de expressividade, dentre estes de aglomerados e complexos da Grande Belo Horizonte.

Nitidamente, comecei a perceber um tipo de evangelicalismo placebo, algo bem comum e familiar a todos nós: aquele tipo de crente que tem um linguajar peculiar, reproduz determinadas expressões e trejeitos muito comuns na maioria das igrejas evangélicas.   É predominante, em tais meios, um tipo de visão de mundo afetado por demônios, batalhas espirituais, com tempero de teologia da prosperidade e uma pitada de auto-ajuda e por aí vai.

Se a coisa anda meio complicada nas comunidades centrais, nas periféricas vemos a face mais sombria disso tudo.  Lá, eles reproduzem o que algumas igrejas centrais produzem, porém, muito mais estereotipado, chega ser meio trash e perturbador.

Mas, Igor, você está sendo um pouco intolerante, não?  Que nada, agora que vou mostrar minha verdadeira intolerância.  Então segura negada!

Pois é, o lance é o seguinte, o que vejo nestas comunidades é algo muito mais sombrio.  Vejo uma igreja evangélica “desevangelizada”.  Simplesmente, não há evangelho lá.  Há uma outra coisa, um teatro, um tipo de emocionalismo de massa travestido de linguagem gospel.  E sinceramente, acho tudo isso aterrorizante, sombrio e alarmante.

Um dia, fui convidado para falar a respeito da páscoa para um grupo de crianças e adolescentes de um determinado aglomerado.  Então lá fui eu.  Preparei um vídeo, na verdade um animê, que reproduz a crucificação na perspectiva do “ladrão da cruz”, que se converteu.  Mas antes de exibi-lo, quis introduzir a temática da páscoa, crucificação e ressurreição.  Caí na boa “besteira” de fazer algumas perguntas para curto-circuitar cérebros e espíritos cativos de uma mistura de “eu quero tchu, eu quero tcha” com “muda toda mexe com minha estrutura".

Primeiro lhes perguntei como uma pessoa poderia ser aceita por Deus, a resposta foi quase unânime, com poucas variações: uma pessoa é aceita por Deus quando cumpre seus mandamentos, quando lhe obedece.  Claro que a esta altura, fiz inúmeras conexões sócio-religiosas e doutrinárias.  Ali estava eu, testemunhando o tipo de evangelho moralista que domina a periferia, mas que também, é uma reprodução da teologia das igrejas ditas “centrais”.  Então, tive a coragem de fazer uma pergunta, que só confirmaria o que já sabia por intuição: quantos deles frequentavam alguma igreja evangélica?  Maldito empirismo!  Claro, os dados estavam diante de mim, todas as mãos, dos quase vinte, levantadas.  Pasmem, eles não são católicos, são evangélicos!  Nominais, é claro, em sua maioria esmagadora.  Ué?  Existe isso entre evangélicos?  Agora existe meu filho.

Claro, aproveitei a oportunidade, e disparei uma pergunta básica: Se somos aceitos por Deus pelo que fazemos, então qual é o valor do que Jesus fez?  Por que precisamos de Jesus Cristo?  Por que Ele morreu na cruz?  A esta altura, ouve-se aquele barulhinho do “Windows” quando dá um erro... “fam!”.   Pois é, quase ouvi os grilos... então, o silêncio foi interrompido com um corajoso que disse: Ele morreu para perdoar nossos pecados.  Síntese?  Tá bom.

Vamos esclarecer as coisas.  O negócio é o seguinte, você se chega a Deus pelo que você faz ou deixa de fazer. Beleza, uma religião moralista bonitinha.  Aí, quando você pisa na bola, corre pra Jesus e pede o perdão pelo sangue dele.  Depois que você é perdoado, lá vai o crente, mais uma vez, tentando fazer tudo bonitinho, e como em um círculo vicioso, ele vai fracassar, e pronto, sente-se mais uma vez dentro do inferno.   Este é o evangelho da “perifa”, mas também das “centrais”.  Das igrejas dos aglomerados, é verdade, mas também das de classe média.  Uma bela religião de formalismos, aparências, linguagens sem conteúdo, frases reproduzidas e toda esta tranqueira adornada com um adesivo do tipo “Deus é fiel!”.  Uma frase de efeito desprovida de qualquer conteúdo para as pessoas que a ostentam.

Então, tive que abrir o jogo, e comecei a anunciar o evangelho e comecei afirmando: todos nós nos chegamos a Deus por um único mediador, Jesus Cristo.  O que Deus fez ao enviar o seu Filho é gigantesco, e não há nada que possamos fazer, que impressione a Deus mais do que Jesus crucificado.  Nem um de nós pode fazer o que Jesus fez.  Deus só aceita uma obra e uma obediência no universo: aquela que seu filho Jesus Cristo realizou.  Logo, se você quer impressionar a Deus pelo que você faz, já é hora de desistir.  Deus já está impressionado e seus olhos estão fixos e uma única coisa: a obediência de Cristo.  Se você quer ser aceito por Deus, corra pra Jesus!  Abrace a obra de Jesus, e finalmente, acredite que tudo que Ele fez foi suficiente.  Não só para te perdoar, mas para te colocar diante de Deus como filho, igual a Ele.  Somente assim, você receberá o dom do Espírito Santo e terá as condições para obedecer a Deus.  Não movido por algum medo, mas por pura gratidão e vontade de servi-lo.  Certamente, você ainda pecará, mas sentirá repulsa pelo pecado.  Afinal, agora você é filho de Deus, você nasceu de novo, já está salvo, já foi aceito por Deus e o pecado será algo que não lhe pertence mais. 

Então, soltei o desenho da crucificação.  No final, só ouvi as fungadas, crianças esfregando os olhos, e finalmente, fiz uma oração com eles.  Solicitei, que só orassem aqueles que realmente acreditavam  que de fato Jesus Cristo é a única obediência e obra aceita por Deus, e que só há um jeito de uma pessoa ser aceita  por Ele: crer em Jesus, dar crédito à sua obediência.  A questão não é aceitar Jesus, é ser aceito por Deus em Jesus.

Conclusão?  Muitos ditos evangélicos, nunca foram evangelizados.  Muitos que sabem de cor as canções pop do meio evangélico, não sabem o que significa a cruz, Jesus, o Evangelho em todas as suas implicações.  Muita gente vive um tipo de religião moralista, baseada em obras pessoais, e ainda acreditam, em um “jezuizinho”, que só serve pra perdoar pecados eventuais em uma fracassada tentativa de atrair a atenção de Deus por “obras legalistas”.   Definitivamente,  evangélicos centrais e periféricos, precisam ser evangelizados.  Pode acreditar!  Quem sabe assim, os centrais sejam evangelizados pela periferia. Porque o contrário, até agora, não funcionou.

3 comentários:

Teologia e Adoração disse...

O que falar.....PERFEITO!

Glória a Deus pela iluminação dada a ti pra mais um belo post!

Triste na essência de que é uma realidade vivenciada por muitos e muitos nas igrejas do nosso Brasil.

Alegre na redenção do impacto causado aos pequenos através da VERDADE de CRISTO.

Deus continue a te usar assim, maninho. Alcançando os pequeninos e desprezados, não por Deus é CLARO!

Abração!!!

Everson
Cabo Frio

Leo disse...

Disse tudo professor, vejo isso também, fortemente, mas em todos os lugares, me dá calafrios professor, vejo isso sim no pessoal da periferia, mas vejo de forma irredutível no meio das congregações em geral, o problema é que ser evangélico hoje em dia, é ser reconhecido por todos esses trejeitos, e tentar explicar isso para as pessoas em geral fica super complciado, pois elas não conseguem perceber, principalmente as que "são de fora". Geralmente o pessoal me aborda "vc é evangélico né? Pois é, é que conheço um beltrano" e lá vem a lista conhecida de todas essas bizarrices, e depois existe uma questão de que isso tudo é introjetado de forma tão forte e se torna tão tácito que não consigo, como posso dizer para o professor entender.... eu não consigo mostrar a elas, não consigo "tirar elas de dentro delas" e fazê-las observaerm o que dizem e como se comportam, e então apontar a raiz disso, o maniqueísmo e gnosticismos outros, o pelagianismo, o "evangelho da auto-ajuda", a confissão positivista, etc.
Com a "teologia da prosperidade" já tem surtido efeito fazer uma exposição da teologia do sofrimento, e eles se dão conta pela própria exposição por conflitarem internamente com ela, ou seja os conduzo por um silogismo pelas escrituras fazendo uma exposição, e a própria teologia da prosperidade por ser auto-implosiva, quando comparado com a Escritura a pessoa "entra em crise", mas olha tá difícil viu.

ludgero m. moraes NETO disse...

Caro Igor... gostei do texto que você me indicou, mas me identifiquei bem mais com esse, e por motivos óbvios. É muito dificil ser biblicamente reformado na favela, mas é extremamente gratificante se você conseguir não se dobrar ao pragmatismo. Evangelho do "Jesus Amigão" e do "Deus não curte palavrão" é um desfavor nos aglomerados. Cristo, Salvação e Juízo é sem duvida a mensagem para resgatar da tragédia aqueles que vivem em uma situação de risco. Forte Abraço