Por Igor Miguel
Como pode uma fé que ostenta cruzes e um crucificado ser uma religião alegre? Seus heróis morreram em arenas ou em missões. Como pode? Estão sendo crucificados na Síria, e vocês se alegram? O mundo está secularizando. Os anarquistas tomam as manifestações nas ruas. E cristãos alienam-se com o quê?
Sim, cristãos são alegres. Pelo menos em minhas andanças e mesmo em minha comunidade local estou para ver povo mais feliz. E não me refiro àquela alegria performática predominante nos grandes eventos de louvor e adoração. Mas ao sorriso espontâneo que emerge do partir do pão, do serviço ao vulnerável, da iluminação constante que emerge da leitura das Escrituras e da reunião ao redor da verdade evangélica. Sim é fato que há cristãos tristes. Vive-se um tempo sombrio de fé arrefecida, de enfraquecimento dos vínculos comunitários, de inúmeras decepções e de incontáveis conversões inautênticas. Há templos repletos de não-cristãos que pararam em uma igreja evangélica levados por movimentos proselitistas, mas que nunca foram expostos ao Evangelho de Jesus Cristo. Ainda assim, um olhar mais disposto verá o que estou defendendo: há cristãos alegres.
Por outro lado, pode parecer uma alegria mórbida, alguns julgarão, até mesmo um tipo de entorpecimento para ressignificar o fardo da existência. Há quem diga que cristãos trocam alucinógenos por experiências religiosas; acho que em alguns casos isto até ocorra mesmo. Mas existe uma alegria autêntica aí, e precisamos discernir sua fonte.
Me refiro àquela alegria sóbria, grata e educada no amor de Deus. Alegria que se associa a uma esperança inabalável na vitória de Jesus. Em Confissões, Santo Agostinho menciona como ele um dia foi assaltado por rubor e alegria quando iluminado com a realidade de Cristo e sua salvação. Algo semelhante ao que John Wesley descreveu como sendo um 'estranho abrasamento do coração'. Claro que há um abuso e exagero a respeito de experiências emocionalistas, compartilho da maioria das críticas neste sentido, entretanto, há uma dimensão em que a graça atinge nossos afetos. Penso em uma convicção que “penetra nos afetos mais íntimos”, João Calvino observou:
"Pois este [o evangelho] não é doutrina de língua, mas de vida, e não se aprende unicamente com o intelecto e a memória, como as outras disciplinas, mas, quando recebida, possui afinal toda alma e encontra sede e receptáculo no mais profundo do coração. [...] Concedemos prioridade à doutrina em que se apoia nossa religião, visto que dela advém nossa salvação. Entretanto, é necessário que a doutrina penetre em nosso peito e chegue a nossos costumes, e de tal modo nos transforme que não nos seja infrutífera. [...] Evangelho cuja eficácia deveria penetrar nos afetos mais íntimos do coração, cem vezes mais do que as frias advertências dos filósofos, e assentar-se na alma e afetar o homem em sua totalidade." (Institutas, Livro III, cap. VI, 4.)
Sim, me refiro a afetos atingidos graciosamente pela doutrina cristã, isto que nasce de uma iluminação oriunda da interação entre o cristão, o Espírito Santo e as Escrituras. Calvino insiste nisso em vários momentos de sua obra: mentes e corações precisam ser iluminados, do contrário, ninguém crerá em Cristo. Esta é uma obra do Espírito de Deus.
Quando somos iluminados pela graça, e assim, reconhecemos que a verdade se fez carne em Jesus Cristo, e finalmente, somos informados misteriosamente da veracidade de sua morte e ressurreição, não nos resta outra coisa, senão, a mais doce esperança. Ela nos afeta por inteiro, nos alegra. Por esta razão o apóstolo Paulo foi claro: “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo.” (Rm 14:17).
Então, insisto: cristãos são alegres. Cristãos estão ancorados no triunfo de Jesus sobre a morte. Não andam enebriados de utopias, mas também não são apáticos e fatalistas, é gente esperançosa. Paulo encontrou algo desta natureza entre os cristãos da antiga igreja macedônia: “Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus concedida às igrejas da Macedônia; porque, no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade.” (II Co 8:1-2). A base da alegria desta comunidade cristã de centenas de anos atrás nos serve de exemplo. Sua alegria não era circunstancial, pois apesar de sua pobreza e tribulação, ainda assim, se alegrava e era generosa.
Muita da falta de alegria e esgotamento espiritual que alguns cristãos alegam experimentar, e eventualmente todos nós somos atingidos por isso, não tem origem de coisas reais, mas são, em algum sentido, desilusões providenciais. Literalmente, ilusões que são desfeitas para alavancar a fé destes peregrinos ao que é real. A realidade do cristão concentra-se na morte e ressurreição do Salvador. Sua existência situa-se em uma “Pedra Angular”, e não em expectativas religiosas infantis, como se sua alegria depende-se da transitoriedade do sofrimento. Há uma graça que vem do Jesus Ressuscitado que anima o coração. A alegria que, por algum motivo, alguns perderam, mas que pode ser recuperada, como na oração de Davi: “Restitui-me a alegria de tua salvação.” (Sl 51:12).
Enfim, lembre-se que mesmo em um mundo onde há pressão e uma atmosfera de cinismo e apatia, mesmo tentado ao abatimento e às lágrimas, o cristão tem esperança que Cristo fez nova todas as coisas. O cristão é informado pelo Espírito Santo, a partir das Escrituras, que ele está reconciliado com Deus por meio de Jesus. E assim, ele pode se alegrar por tão grande salvação. Definitivamente, cristãos são alegres!
3 comentários:
Meu caro,
A propósito disso: http://5calvinistas.blogspot.com.br/2013/01/homilia-3.html
SDG!
Texto maravilhosos, Igor!
Possa Deus ser glorificado em conceder-lhe mais e mais de Sua alegria.
Tiago
Parabéns pelo texto Igor. Graças a Deus por poder fazer parte desta comunidade de Cristão alegres, sem emocionalismo e sem cinismo.
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