Por Igor Miguel
Em dias de negação do holocausto, de oposição ao sionismo, penso que é fundamental esta breve reflexão.
Hoje se comemora o Yom HaShoá - יום השואה - Dia de Memória pelo Holocausto. Na verdade "holocausto" não traduz o termo Shoá. Shoá se traduz psicologicamente como um golpe de aniquilação e violência intraduzíveis. Sendo assim, a melhor forma de lidar com a expressão é preservá-la em seu formato original, mantendo sua intraduzibilidade.
Todo ano, para aguçar minha lembrança do que é a Shoá, lembro-me da frase de Abraham Joschua Heschel:
A pergunta sobre o holocausto não é 'Onde estava Deus?', mas 'Onde estava o homem?'.Esta máxima de Heschel é multifacetada, como as máximas judaicas costumam ser. Esta frase desencadeia muitos processos na mente e no coração.
Na primeira metade do século XX a humanidade e a modernidade lançavam-se em uma fé cega no desenvolvimento, na ciência, na racionalidade e na tecnologia. Os dogmas antes afirmados pela religiosidade convencional, traduziam-se na era dos nacionalismos em termos de ideologias políticas e teorias científicas (desculpem a redundância necessária).
A solução final, a aniquilação dos judeus como resposta ao "problema judaico", foi posta em prática em uma articulação científico-multidisciplinar, em que engenheiros, químicos, biólogos, prestaram serviço à engenharia da destruição. De fato, o mundo foi uma coisa antes e depois de Auschwitz. Após os campos de extermínio houve uma decepção com as certezas científicas e com as pretensões da ciência, afinal, o mundo dito civilizado cometeu a maior barbárie da história.
Barbáries sempre existiram. Mas barbárie racionalizada, calculada, projetada cientificamente, nunca antes. Loucura? Não! Tudo foi matematicamente calculado.
Sem uma ideologia "lógica" não haveria a "insanidade", sem a "racionalidade" da filosofia nazi, não haveria a "irracionalidade" da Shoá. A ideologia do Partido Nacional Socialista bebia em várias fontes, tendo em vista satisfazer os diversos públicos da nação alemã:
1) Para os místicos e espiritualistas: a noção místico-pagã da teosofia da Madame Blavatsky de superioridade espiritual do povo ariano e a inferioridade espiritual da "raça semita".
2) Para os protestantes: bastava o panfleto luterano intitulado 'Os Judeus e Suas Mentiras'.
3) Para os políticos: o mito de conspiração judaica através da obra forjada 'Os Protocolos dos Sábios de Sião'.
4) Para os católicos: o anti-judaísmo presente em obras dos grandes teólogos da patrística, a noção dos judeus como "assassinos de Cristo", "deicidas", etc.
5) Para os filósofos: a concepção de homem superior de Friedrich Nietzsche e seu antissemitismo em obras como O Anticristo.
6) Para os cientistas: a teoria darwinista, que era a base da teoria eugênica de pureza racial e superioridade de raças.
Quando a doutrina nazista ascendeu e dissolveu a República Weimar em 1933, o fez a partir de uma cocha de retalhos, de discursos presentes nos vários setores da sociedade alemã. Do mar revolto subiu a besta que perseguiu os santos, sua fúria era contra a mulher, quis matá-la, abortar seu filho*.
O golpe foi violento! Um terço dos judeus do planeta foram aniquilados em 4 anos. Como a tecnologia de matança evoluiu nos 2 últimos anos da guerra (de 1944-45), no ritmo desta última fase, possivelmente os nazistas teriam aniquilado os judeus de todo planeta em mais 2 anos. Exagero? Não, absolutamente. Havia uma rede de trens, navios, transportes e espiões em todo mundo. O negócio foi sofisticado.
Hannah Arendt falava sobre a banalização do mal, que desumanizava tantos vítimas quanto agressores. A racionalização tinha a capacidade de anular a paixão, a paixão deveria se submeter à lógica. O afetividade e a sensibilidade deveriam ser domadas. Por isso, Sigmund Freud ao expor o poder deste lado "irracional" do homem, teve suas investigações tratadas como "doutrina judaica" e conseguiu fugir antes que fosse tarde. Era comum, pais de família que serviam a SS acordarem de manhã, beijarem seus filhos, rezarem o "Pai Nosso" e irem aos campos de extermínio matar judeus, como se fossem a um matadouro, assim o faziam por achar que prestavam um serviço à humanidade.
É impossível mensurar os prejuízos culturais e espirituais da Shoá. Se 70% dos prêmios Nobel são dados a judeus, imagine o prejuízo! Dos 18 milhões de judeus no mundo, 6 milhões foram aniquilados. Mas, como ouvi uma vez de uma pedagoga no Yad Vashem (Museu do Holocausto) em Israel:
Esqueçam os números, cada pessoa é um mundo!
Holocausto nunca mais!
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* Inspirado em Apocalipse 12 e 13.
6 comentários:
IGOR GRAÇA E PAZ.AMADO IRMÃO DE FATO 'HOLOCAUSTO NUNCA MAIS'E PONTO FINAL.MAS O QUE ME DEIXA ENTRISTECIDO É ESSA LEMBRANÇA AD INFININTUM DE PALAVRAS OU AÇÕES OU OMISSÕES DE CRISTÃOS A RESPEITO DE JUDEUS EM TEMPOS ATRÁS,MEU QUERIDO ISSO SÓ AFASTA OS FRACOS NA FÉ.EU POSSO COMPREENDER,MAS ALGUNS IRMÃOS NÃO,VOCÊ ME ENTENDE?
Carlos,
Obrigado. Os irmãos que não compreendem podem postar aqui suas dúvidas. Penso que o anti-judaísmo e a indiferença cristã-luterana precisa ser encarada de frente. Os luteranos já fizeram isso em vários encontros internacionais e inclusive já ouve encontros simbólicos de retratação junto à representações judaicas de vários lugares do mundo.
Quanto a lembrança 'ad infintum' é um problema a ser tratado. Os judeus tem memória, por questões óbvias, sem ela não existira judeus hoje.
Abraços,
Igor
Igor, Nosso D-us é o Senhor de tudo, e ele mesmo observou o Holocausto. O homem por sua vez estava planejando e dissimulando em seu próprio egoísmo ser soberano e por capricho e ciúmes acabar com uma raça eleita e escolhida pelo próprio D-us.Onde estava D-us? Em seu trono, despertando cada judeu indo para as fornalhas dos campos de concentração, conduzindo cada criança morta nas câmaras de gás, lá estava o Senhor D-us dos exércitos.
Pois é Hugo,
Mas, cuidado, Deus não é agente do mal. Ele tem o senhorio sobre o mal. Ele é Senhor sobre tudo. Mas, devemos lembrar que há um paradoxo (nunca uma contradição) entre soberania e responsabilidade humana. Os homens foram 100% responsáveis, apesar da soberania de Deus sobre o holocausto. Isto é um paradoxo, mas nunca uma contradição. O paradoxo é uma fato, porém, nossa limitação, não permite ver sua complexidade. Temos que admitir a soberania de Deus e simultaneamente a responsabilidade dos homens sobre a tragédia.
claro Igor, isso mesmo que eu quis dizer, o homem foi 100% causador da dor de outros homens. E por D-us ser soberano não deixou exterminar uma raça eleita e escolhida para ser seu povo.
Exatamente!
Parabéns.
Igor
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